"O livro de Luís Maçarico, «Jóias imperceptíveis em Portas de Lisboa», ilustrado com fotografias de António Brito, aborda um tema pouco estudado, pelo menos ao nível da capital: as aldrabas, os batentes e os puxadores.
Neste trabalho o autor estabeleceu como fio condutor as casas (e respectivas portas) onde viveram catorze personalidades emblemáticas da cultura portuguesa: poetas, escritores, artistas plásticos, filósofos, fadistas.
A leitura do livro parece confirmar um paradoxo que domina a sociedade actual. Se por um lado se assiste a um interesse crescente e, por vezes, até uma certa “mitificação” do passado, por outro, verifica-se uma desvalorização quase sistemática dos seus vestígios materiais, especialmente quando se tornaram obsoletos, perderam o significado simbólico ou, pelas suas características morfológicas, são praticamente imperceptíveis.
Esta realidade tem contribuído para o desaparecimento e destruição de inúmeras peças, cujo valor patrimonial não é mensurável nem pelas dimensões, nem pela matéria de que são feitas, mas sim, e sobretudo, pela estratigrafia de vivências que encerram.
Neste contexto, as aldrabas, batentes e puxadores revelam-se particularmente valiosos pois incorporam uma vasta história social, cultural e simbólica.
A salvaguarda destes elementos configura, assim, uma atitude de respeito não só por toda uma tradição, como também pelos artífices que os fabricaram (ferreiros e marceneiros), por todos aqueles que os adquiriram e/ ou utilizaram, e, em última análise, pela própria memória colectiva de um povo.
Uma vez que este trabalho refere vários vultos da cultura, não posso deixar de recordar uma entrevista efectuada a José Cardoso Pires após o AVC que o atingiu, na qual o escritor defendia que o que identificava um homem não era a inteligência, ou pelo menos só a inteligência, mas, sobretudo, a sua memória.
Apesar de Cardoso Pires se referir à memória individual, penso que poderemos transpor a constatação para a memória colectiva, tendo em conta que esta constitui também um elemento primordial em termos de estruturação da nossa identidade enquanto comunidade.
São muitos os exemplos desoladores relativos à destruição deste património, alguns dos quais mencionados no livro de Luís Maçarico. Refira-se, a título de exemplo, a porta do prédio nº9, da Rua da Rosa, no qual nasceu Camilo Castelo Branco e a porta do prédio nº4, do Largo de São Carlos, onde nasceu Fernando Pessoa, cujos elementos originais foram substituídos por peças desarticuladas e aberrantes.
Constata-se, assim, que, com o desaparecimento daqueles objectos, o casario antigo de Lisboa fica mais pobre, assistindo-se, em simultâneo, à morte de uma parte da memória da própria cidade.
Será, pois, importante divulgar este património e o espaço em que se inscreve, promovendo desta forma um processo alquímico ao nível das consciências e atitudes – e penso que a “alquimia” vem a propósito, tendo em conta não só o tipo de material de que são feitos estes objectos, como também todo o processo que envolve a sua elaboração, desde a recolha do minério até à obra de arte final – de modo a conseguir estabelecer laços equilibrados e saudáveis entre o passado e o presente, sem cortes nem rupturas.
Margarida Almeida Bastos
2 comentários:
Uma maneira de manter viva a memória de outros tempos.
Um abraço
Memórias vivas
Tudo pelo melhor
Abraço
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