"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, outubro 17, 2010

O CISNE SUBMERSO



Foi lançado ontem, num hotel de Lisboa, o livro póstumo de Fernando Pinto Ribeiro "O Cisne Submerso", uma obra cuja edição alguns amigos do poeta, como Julião Bernardes e J. Leitão Baptista, organizaram, para eternizar este vigoroso e sensível testemunho de um homem, que deixou um rasto luminoso neste mundo desconcertante.
Ler os seus poemas, partilhar do seu universo mágico, eis o desafio, que vivamente aconselhamos a quem desejar conhecer esta voz singular da poesia portuguesa.

Há um ano atrás, no boletim do Grupo Dramático e Escolar "Os Combatentes", publicámos uma sentida homenagem ao poeta, que se transcreve, celebrando mais este momento de respiração para as suas palavras:

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FERNANDO PINTO RIBEIRO: COMBATENTE DA LUZ MAIS FORTE

Guardo religiosamente um dossier com palavras. Palavras da vida real de um vate.
Partilha-se, com a suavidade que caracterizava o homem, uma pequena parte dessas palavras inéditas, contadas ao longo de várias sessões, em que nos foi revelando passagens do seu percurso como ser humano e artista..
Durante algumas semanas, Fernando Pinto Ribeiro ganhou nova energia, enquanto revivia memórias dos seus passos.
E foi assim que o saudoso poeta que muitos fadistas cantaram, nos falou:

"Apenas tenho tido o gosto de fazer o que faço, faço para mim, dá-me muita volúpia. Sou preguiçoso, não sou pessoa de grande cultura livresca. Por isso emendo-me, emendo-me, emendo-me. Comprazo-me a recriar. Quando procuro fazer bem feito, envaideço-me" (16-1-2008)

"Eu em criança, recordo-me, muito novinho, comecei a fazer versos. Nas águas furtadas que era a parte mais romântica da minha casa, que era a parte mais romântica da minha casa. Telha vã, onde havia o pote das azeitonas, a salgadeira, os queijos da serra, onde havia a um canto a cama das criadas, que vinham lá de longe...
E escrevia-os então, achei que era ao mesmo tempo tão hermético, sigiloso, misterioso, que não desse a conhecer a ninguém e ia meter nessas telhas vãs...achava que aquilo se devia esconder como os pássaros têm o ovo no ninho."
(16-1-2008)

"Aceitei sempre os perigos, mandaram-me sempre prá frente. Hoje, percebo, tiveram medo, encolheram-se. O meu problema é de conflito de identidade. Como defesa nunca gostei de chamar a atenção sobre mim, escondia-me (...) Precisei sempre do excesso, como costumo dizer, com esta carinha de sonso, sem dar nas vistas. Duplicidade à procura de mim próprio."(30-1-2008).

"Eu nasci na Guarda. Num largo onde se faziam as grandes feiras, onde se vendia tudo: ovelhas, vacas, os saltimbancos, os cegos que cantavam as grandes desgraças todos os sábados.
Em criança sonhava com aquilo tudo. As portas estavam abertas e comecei a assistir àquelas sessões, a rodopiar na poeira, a ver ranchos de ceifadeiras..." (6-2-2008)

"Minha mãe foi criada na abastança na viragem da monarquia. E os meus tios perdulários, ébrios, espatifaram todo o património. O meu pai era filho do farmacêutico de Celorico da Beira, natural de Viseu. A minha mãe ficou a braços com a educação dos filhos (4). Abriu uma casa de pasto, mas foi sempre enganada, ingénua, sempre roubada pela criadagem." (6-2-2008)

"Encontrei os maiores inimigos nos professores primários da Guarda. Fui martirizado, professores ferozes (...) E havia um...Este não só tinha a palmatória, como punha as mãos cá atrás, com ferocidade...chegava a bater com cavacos da cozinha - pimba pimba!!! - esse fulano nunca ensinou nada de nada. Eu safei-me, vou contar um milagre: lia em casa, tinha uma memória espantosa, decorava tudo, mas assim que o via tremia, ficava inibido e ele vai e pergunta: "Integrantes", e eu a gaguejar..."que, se"...safei-me!!!" (6-2-2008)

O depoimento de Fernando Pinto Ribeiro, acerca de uma existência, rica em encontros e desencontros, continua guardado, à espera de uma ocasião, em que a Junta de Freguesia onde ele residia há muito tempo, tenha possibilidade de o editar, com uma selecção de poemas.
Faz falta um livro dele, plural, pois este beirão com coração de lisboeta foi espalhando por jornais, revistas e antologias os seus versos, de sabor erudito e na boca de muitos fadistas e cançonetistas, queixumes e folias da alma, que o povo trauteou.
Obrigado, companheiro Fernando, combatente da luz mais forte - Liberdade.

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O livro chegou, como disse, graças a amigos que tiraram o poeta do limbo em que estava. Renascidos, os versos que integram "O Cisne Submerso" aguardam que novos leitores o conheçam. Fernando Pinto Ribeiro, um nome que fica na Literatura e na Música Ligeira de Portugal.
A edição tem a chancela da Edium Editores.
Esperemos que seja possível compartir estas outras palavras, que o poeta nos trouxe, com a poesia do encontro e a esperança no ser humano, quando decidiu reunir com alguns amigos na Junta de Freguesia dos Prazeres, embalando o seu sonho de espalhar vocábulos elegantes e secretos, como só ele sabia escrever e dizer.

Luís Filipe Maçarico

1 comentário:

Isabel disse...

beijo a tua imensa generosidade.





sempre.




imf