"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, dezembro 28, 2019

“INTERMITÊNCIAS” NOVO LIVRO DE POESIA DE CRISTINA POMBINHO





Se “um poeta é sempre irmão do vento e da água” como cantou a poetisa brasileira Cecília Meireles, sabemos que “A vida só é possível reinventada.”
A vida vivida, como lembra Sousa Dias, citando Manuel António Pina, é “ficção, esquecimento e memória”.[1]
Sousa Dias diz-nos que a Poesia é “experiência dos limites do dizível, confronto da linguagem com o silêncio.”
Este autor evoca Merleau-Ponty[2], abordando o enigma da sensibilidade na Pintura, enquanto imagem poética é questão ontológica de efeito de realidade.”[3]
Na construção dos seus poemas, Cristina Pombinho domina o jogo metafórico e imagético, inscrevendo a sua escrita na galeria da poesia no feminino, onde encontramos Teresa Horta e Natália Correia, ainda que tempere (com o tom onírico de palavras-imagem) o conteúdo primordial da sua afirmação lírica.
Montserrat Villar González, poetisa galega que conhecemos em Salamanca salienta: “Agarro-me a ti como me agarro à vida/ que através dos teus olhos/ aprendi a olhar”.[4]
E esta escritora acrescenta: “Me quieres, te quiero/ a pesar del dolor que causa la vida cotidiana.”[5]
Os versos, as artes sublimam os dias comuns “transfigurando em luxo o próprio lixo”, como escreveu em Muriel o criador de “Aquele Grande Rio Eufrates” e de “Despeço-me da Terra da Alegria”. Cristina Pombinho supera a banalidade dos dias com a elegância voluptuosa das palavras.[6]

“Para que servem / os poetas em tempo de indigência?” questiona-se Hélia Correia, em “A Terceira Miséria”[7]
“Intermitências” traz-nos uma poesia alicerçada em leituras de Eugénio (“Eu ainda não te falei desta cidade”), Rui Belo (“Esperei por ti…/ tu não vieste,/ nem sei se virás, algum dia!”) Gedeão (“as infinitas partículas subatómicas do quotidiano”), Cristina reflecte igualmente a boa influência de Herberto Hélder e Ramos Rosa, confirmando o que o pintor gestualista Artur Bual disse tantas vezes, ou seja “ninguém nasce sozinho!”
Folheando o livro vislumbramos Freud, que define o artista como alguém que “sabe como trabalhar os seus sonhos acordados de modo a […] que outros partilhem do seu gozo neles.”[8]
Cristina Pombinho escreve que “por dentro dos sonhos é que a vida existe” e Sophia discorre: “Eu busco o rasto de alguém/ que ao meu encontro vai/ no sonho de cada linha.”[9]
Entre o real e o imaginado, “Intermitências” parte sempre da pegada para o voo, com enormes recursos vocabulares, que constroem uma eficaz transmutação do quotidiano.
A linguagem depurada e metafórica, evidencia a qualidade da escrita desta poetisa, por vezes irónica; reparem nestes exemplos “As janelas são os olhos das casas”, “um soluço de tempo”, “Deus embebeda-se e ri alto, razão da existência dos trovões.”
“É preciso falar para inventar/ o jogo dos silêncios”, proclama Maria Alberta Menéres.[10] E Ana Luísa Amaral confessa: “Sou condenada a ver para além deste tempo.”[11]

Com as palavras, Cristina Pombinho urde uma envolvência simbólica, carregada de energia positiva. A utilização de verbos luminosos acentua a vontade de ser, como é o caso de existir, estar, pertencer, respirar, olhar, oferecer, poder, sentir, voar, querer, crescer, caminhar e acreditar.
Temas como “A Mãe” (que belo tríptico dedicado a Clementina Pombinho!) “os gatos”, “os pássaros”, “o amor”, “a ausência”, “o sul”, “o vento”, “a noite”, “a solidão”, “o corpo”, “a metafísica” e “a filosofia”( através de Aristóteles, Heraclito e Parménides), que são filigrana de um tear cósmico, irrompem  nestas páginas, exalando o inebriante perfume da Música.

Ana Rossetti considera que “A poesia é um vendaval de ar puro em nossas existências irrespiráveis”[12]
A autora de “Intermitências” revela “[o] mundo habita em mim/ como um bando de aves em migração.”
Vinte anos depois, a Arte de Mena Brito, pintora de grandes recursos, junta-se às sílabas mágicas de uma poesia singular (“esta espécie de animal faminto que cresce por dentro e que é quase êxtase”.)
“A alma feita luz e os anjos “pescadores de nuvens” desafiam-nos para a leitura desta obra, onde a pedra se torna carne e “ser um pássaro louco […] com mãos em vez de asas” exalta uma liberdade criativa sem limites. Bem Hajas, Cristina por esta significativa partilha que tanto nos enriquece.

18-6-2019
Luís Filipe Maçarico

FOTOGRAFIAS: Da apresentação na Casa do Alentejo em 17-12-2019 - Mário Sousa e Manuel Silva. Das apresentações dos dois livros de Poesia da Autora em Vilarelhos, no Festival Transfronteiriço de Poesia, Arte de Vanguarda e Património, em Meio Rural/ PAN - Julho de 2019 e Julho de 2018 - Rodrigo Dias.



[1] DIAS, Sousa “O que é Poesia?”, Documenta, Lisboa, 2014, p. 44.
[2] Ibidem, pp. 31-32.
[3] Ibidem, p. 33.
[4] GONZÁLEZ, Montserrat Vilar “Vida Incompleta”, Lema de Origem, Carviçais, 2019, p. 23.
[5] GONZÁLEZ, Montserrat Vilar “tierra en mármol y ternura”, Lastura, Ocãna, 2ª edicion, 2015, p. 58.
[6] Esta parte do texto foi acrescentada ao escrito inicial, apresentado em Vilarelhos, no início de Julho, onde a obra teve o seu lançamento inaugural. Redigido em Almada, na madrugada de 17 de Dezembro de 2019, destinou-se à apresentação na Casa do Alentejo, na tarde desse mesmo dia.
[7] CORREIA, Hélia “A Terceira Miséria”, Relógio de Água, Lisboa, 2013, 2ª edição, p.7.
[8] FREUD, Sigmund “Textos Essenciais da Psicanálise”, volume III; Publicações Europa América, Mem Martins, 2001, 2ª edição, p. 147.
[9] ANDERSEN, Sophia de Melo Breyner, “Dia do Mar”, Ática, Lisboa, 1961, p. 86.
[10] MENÈRES, Maria Alberta “O Jogo dos Silêncios”, Hugin, Lisboa, 1996, p. 5.
[11] AMARAL, Ana Luísa “Entre dois rios e outras noites”, Campo de Letras, Porto, 2007, p. 112.
[12] ROSSETTI, Ana “Fuera de Campo”, Associación cultural “El Zurguén”, Morille, Salamanca, 2018, p. 64.

1 comentário:

Elvira Carvalho disse...

Deve ser muito interessante.
Regressei ontem, quase noite.
Um abraço, e um Feliz vinte vinte