Ser Humano culto, talvez filósofo, com
quem dá gosto falar, Filipe La Féria autodefine-se como um “faz-tudo”, pois
escreve, encena, compõe a música, intervém nos cenários e sobretudo vibra com o
Teatro, essa enorme paixão à qual se entrega integralmente, celebrando a Vida.
Somos recebidos com simpatia contagiante,
apesar do seu cansaço, pois enquanto acompanha o espectáculo em cena, já anda
numa enorme azáfama, a ensaiar aquele que se segue.
Como ele diz, mesmo que o Teatro seja “a
grande mentira”, o que faz transmuta-se na grande verdade que fascina o
público.
Através dos bastidores do Politeama, que
parece um barco (“barco dos sonhos”, assegura ele) entre o seu gabinete e o
palco, para breve sessão fotográfica, La Féria orgulha-se de ter mudado uma rua
mal - afamada, transformando-a no ponto de referência que é na Lisboa actual.
O Politeama é o lugar acolhedor para todos
os que vindos de longe, apreciam o teatro musical e ali encontram o espaço
encantatório de beleza e sortilégio que escasseia nos seus quotidianos.
Transcrevemos a seguir - através das
palavras e ideias de Filipe La Féria - os momentos mais vibrantes da conversa
que connosco teve.
O
MEU CORAÇÃO É ALENTEJANO
Começamos, naturalmente, pelo início da
existência.
Na infância de Filipe La Féria desenhou-se
a vocação de toda a sua vida. O artista conta: “Sou da Aldeia Nova de São
Bento. De uma família abastada, mas muito liberal. Toda a minha infância foi
passada no Alentejo. Era uma família muito grande. Comigo, éramos seis irmãos.
Fui muito feliz. Tive o grande privilégio de uma família sólida, com uma
educação muito boa. Tudo o que sou, devo a essa infância.”
Filipe La Féria diz-nos que tem sido “Uma
criança com os olhos abertos toda a vida!” rematando: “O meu coração é
alentejano! Ainda vou lá muitas vezes, tenho um pequeno monte ao pé de Safara.
É um regresso ao mais profundo do meu ser. É um reencontro com pessoas que
partiram, com recordações, memórias.”
Voltando aos seus primeiros anos de vida,
La Féria diverte-se a recordar:
“Na infância fazia já (sempre!) teatro!
Com uma caixa de sapatos, recortava do “Diário de Notícias” e fazia já teatro
no quintal da minha avó, onde levava uns tostões a quem assistia e começou aí a
vida artística e de empresário.”
“Fiz a primária - prossegue - no Alentejo.
Vivi muito com uma tia minha na Aldeia Nova. Lembro-me de quando o lápis caía.
Os colegas iam descalços para a escola. Era um outro Portugal…”
Entretanto prosseguiu os seus estudos “Em
Lisboa, no Colégio Infante Sagres, nas Laranjeiras, Palma de Baixo. Depois fui
para o Conservatório Nacional. Estreei-me muito cedo na Companhia Amélia Rey
Colaço, no Teatro Nacional.”
A
GENTE AJOELHA-SE PERANTE O ESTRANGEIRO, QUANDO TEMOS GRANDES POETAS,
ESCRITORES, PINTORES, ACTORES!
Grande e longa foi a caminhada de meio
século de Teatro. “Fiz mais de quinhentas peças. Fui actor durante doze anos.
Nasci para “Faz - Tudo”. Gosto de fazer música.
Evocamos a sua consagração na Casa da
Comédia, [onde dirigiu Teresa Roby, Rogério Samora e João de Ávila, entre
outros actores, produzindo êxitos como “Eva Péron”, “A Paixão Segundo Pier
Paolo Pasolini”, “What Happened to Madalena Iglésias”, com Rita Ribeiro]:
“Começámos lá [como empresário] e acabámos no Coliseu dos Recreios. Foi uma
reviravolta no Teatro. Seguiu-se um espectáculo histórico [“Passa por Mim no
Rossio”, com Ruy de Carvalho, Varela Silva, Catarina Avelar, João Perry,
Fernanda Borsatti, Lurdes Norberto, Irene Isidro, São José Lapa, Henriqueta
Maya, Eunice Muñoz, entre outros].
A aposta no Politeama “dura há quase vinte
anos. Dezenas e dezenas de peças! Vem público desde Vila Real de Santo António.
Esta rua foi modificada pelo teatro Politeama. O espectáculo “Amália” [com
Alexandra, Anabela, Liana e Carlos Quintas] esteve seis anos em cena, com
milhões de espectadores. Tornou-se um “ex-libris” da cidade.”
Como conseguiu tanta adesão junto do
público?
A chave do sucesso “É a qualidade, é o
talento. Nasci com este dom de fazer espectáculos. O talento, como dizia Amélia
Rey Colaço, é 95% de trabalho. Os outros 5% é jeito…”
Para si, o teatro é um entretenimento ou
também deve ter um papel pedagógico importante?
“Eu tenho sempre um papel pedagógico no
que faço. “A Severa” está há oito meses em cena. “A Severa” é uma lição de
História. A grande força do teatro é falar de nós próprios. O teatro surge na
Grécia, porque os gregos queriam transmitir a sua História às novas gerações. O
teatro é entretenimento, prazer, ensina, educa, é um grande espelho para os
espectadores se reconhecerem. Com a luz e a sombra que o Ser Humano tem.”
Recuamos à sua vivência de Londres. Ali
estudou Arte Dramática…
“As bolsas de estudo eram pequenas. O
Teatro, - a Cultura - é o parente pobre de tudo. Toda a experiência é
importante. Até estar a falar com vocês! Não há milagre maior do que estar
vivo! [voltando a Londres] Em Londres há muito bom teatro mas também há mau. A
gente ajoelha-se perante o estrangeiro, quando nós temos grandes poetas,
escritores, pintores, actores! Os ingleses gostam de si próprios. Nós invejamos
- e isso é muito provinciano!”
OS
ACTORES SÃO CONDENADOS DA SENSIBILIDADE
Abordamos a sua participação na Televisão.
“Fiz horas e horas de televisão mas a
minha paixão é o teatro, é olhos nos olhos com os espectadores. Isso só se
consegue no teatro.
Todos são filhos do Teatro, que é a mãe de
todas as Artes. O Teatro é a Vida!”
Qual foi o seu primeiro desempenho no
Teatro?
“Gil Vicente, no Teatro Nacional”.
La Féria aproveita para valorizar o que está
a fazer agora:
“Não se deve voltar ao passado. Devemos
gostar do presente. O futuro há-se ser o resultado de nos afirmarmos e de
vivermos!”
Acerca dos actores com quem trabalhou, realça:
“Os Actores são condenados da
sensibilidade. Devo ter trabalhado com quase todos. Trabalhei com grandes
actores. São seres muito delicados. Sedentos de Amor e de serem amados!”
O seu olhar sobre o teatro tem esta
profundidade: “O teatro ajuda a crescer, a conhecermo-nos a nós próprios e aos
outros. É um meio sem tabús, onde pode dar largas à sua imaginação. Um Actor
demora dez anos a fazer!”
HOJE
HÁ A CENSURA ECONÓMICA E DA ESTUPIDIFICAÇÃO COM TELEVISÕES ESPECIALIZADAS EM
CRIMES ONDE TUDO É ESPECTÁCULO
Chegados aqui é inevitável aos
entrevistadores regressar ao passado para abordar a Censura.
“Era horrível, os ensaios da Censura!
Fizemos um clássico, Lope da Veja - Fuentovejuna. Tivemos dezasseis ensaios de
Censura! Mas hoje também há a censura económica e da estupidificação. Hoje
vivemos uma censura mais sofisticada, com televisões especializadas em crimes,
onde tudo é espectáculo!”
Em jeito de remate, La Féria afirma com
veemência:
“Temos grandes actores e escritores. Não
devemos ter vergonha de sermos portugueses. Tenho grande orgulho de ser
português e de ser alentejano! O alentejano é um povo que viveu sempre na
adversidade. De uma erva daninha fazemos uma sopa (com pão!)
Gosto muito de falar com pessoas, até com
quem guarda cabras. Eles por vezes sabem mais que nós. Um pastor de cabras
conhece o tempo que vai fazer e sabe falar com o vento!”
Luís
Filipe Maçarico / Rosa Honrado Calado
Fotografias de Luís Filipe Maçarico (o artista no Politeama e aspectos da casa onde nasceu em Vila Nova de São Bento, actualmente sede da junta de freguesia local)
*Entrevista publicada na revista "Alentejo" nº 46, Junho/Novembro 2019.
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