Alcântara terá sido um arrabalde de
Lisboa, território de quintas e palácios da nobreza, onde a aristocracia se
refugiava, fugindo das doenças que assolavam o centro da capital, como a peste.
O seu nome deriva do árabe Qântara, que significa ponte. Ponte que ligava a
zona à cidade. Ponte que voltou a existir em 1966, ligando agora as duas
margens do Tejo.
No século XV surgiram as primeiras
actividades industriais, ligadas às pedreiras, das quais se extraía pedra para
cal, originando fornos de produção dessa substância.
Entretanto, em 25 de Agosto de 1580
defrontaram-se os exércitos de António Prior do Crato e de Filipe II de
Espanha, na batalha de Alcântara, perdendo-se a independência, retomada somente
em 1640.
Em 1582 e com o patrocínio do soberano
espanhol, foi fundado o convento das Flamengas e mais tarde, em 1617, o
Mosteiro do Monte Calvário, também feminino, começando esta zona a ter uma
presença religiosa importante.
No alto de Santo Amaro, a Capela do século
XVII assiste a peregrinações de galegos que ali vão orar e folgar. Ainda hoje
(embora seja uma festa recriada) se realiza anualmente a Romaria, no final de
Junho.
O aparecimento de fábricas de curtumes e
de pólvora (1690/1728), poluiu as águas que corriam entre os campos. O Marquês
de Pombal, cujos pais foram proprietários da Quinta, posteriormente designada
do Fiúza, assim chamada por ter sido pertença de um magistrado com esse nome, estimulou
a criação da Tinturaria da Real Fábrica das Sedas. No palácio com a mesma
designação haviam de reunir-se posteriormente conspiradores republicanos,
contestatários da velha élite e das ideias dominantes.
O terramoto de 1755 vai deixar marcas de
ruína nos conventos e outros edifícios, saindo a corte do Real Palácio de
Alcântara para se instalar na Real Barraca da Ajuda, um palácio de madeira,
profusamente evocado por Baptista Bastos no seu romance “Cão Velho entre
Flores”. A inauguração da Igreja Paroquial de S. Pedro de Alcântara, em 1788,
revela segundo alguns autores uma miniatura da basílica da Estrela.
Notável é a criação da Real Tapada, onde
em 1852 se instituiu o Instituto de Agronomia. Com 100 hectares, no reinado de
D. Luís passa a ter um belíssimo pavilhão de exposições, construído em ferro e
vidro.
Entre 11 de Setembro de 1852 e 18 de Junho
de 1885, e durante pouco mais de três décadas, constituiu-se e desenvolveu-se o
concelho de Belém, cujo primeiro presidente foi Alexandre Herculano.
Abarcava aquele concelho territórios de
Ajuda, Belém, parte de São Pedro de Alcântara, Santa Isabel, São Sebastião da
Pedreira, Nossa Senhora do Amparo de Benfica, São Lourenço de Carnide e Menino
Jesus de Odivelas.
No século XIX verificou-se a proliferação
de unidades industriais, que tentaram aproveitar ainda a existência da ribeira,
espalhando-se ao longo de um espaço delimitado pelo rio Tejo e o curso de água
local que foi posteriormente encanado, tal eram os odores e a necessidade de
construir uma rede viária.
Na primeira metade daquele século surgiram
as Fábricas de Fiação e Tecidos Lisbonenses e a Companhia Lisbonense de
Estamparia e Tinturaria de Algodões.
Em 1864 surgiu a Companhia de Carruagens
Lisbonenses, aparecendo seis anos depois o carro americano. O caminho - de -
ferro que chegou cedo a Alcântara-Terra, durou pouco tempo a levar passageiros
para sintra, passando a servir durante largos anos só para o transporte de
mercadorias.
Ao pé das chaminés, multiplicaram-se as
tabernas (eram inúmeras). Uma colectividade musical - Sociedade Filarmónica Alunos
Esperança (SFAE) ainda hoje existente, tentou valorizar o ensino da música
entre a classe operária. Institui-se a União Fabril, mais tarde CUF, fabricando
sabão, velas, adubos e outros produtos.
No dealbar do século XX, três cinemas
procuram trazer a sétima arte junto do povo.
Nos primeiros anos de 1900 faz sensação a
Feira de Alcântara. Com atracções de causar espanto, barracas de comes e bebes,
teatro e circo, entre outras novidades.
A Carris dá os primeiros passos.
A semelhança de Alcântara com as cidades
industriais inglesas atinge o auge a partir da construção da Fábrica
Napolitana, tendo sido usado tijolo refractário nos seus quatro andares. Nas
obras que evocam ou estudam esta arquitectura há quem compare este edifício a
uma catedral.
O ferro forjado (presente no antigo
mercado) e a azulejaria embelezam as fachadas,
Durante o Estado Novo, a gare marítima de
Alcântara liga Portugal ao mundo, havendo painéis de Almada Negreiros exaltando
a Nau Catrineta e o afã das mulheres que ganhavam o pão nas duras actividades
da descarga de mercadorias das fragatas do Tejo.
Em 1932 passou a desfilar na Avenida da
Liberdade, a Marcha desta freguesia da cidade, terra de marinheiros, varinas e
carroceiros, tendo como primeira madrinha a jovem fadista Amália Rodrigues, que
cantava na verbena do Carcavelinhos e venderia limões na doca.
Os pátios e as vilas operárias passaram a
pontuar a paisagem humana, tal era a abundância de trabalhadores das várias
indústrias (têxteis, química, cerâmica, metalurgia).
Naturalmente, o associativismo alastrou, a
partir do triunfo das ideias liberais, fortalecendo-se com o espírito
republicano. São disso exemplo a já referida SFAE e a Sociedade Promotora de
Educação Popular. O Atlético Clube de Portugal nasce nos anos 40 da fusão do
Carcavelinhos Foot-ball clube com o União Foot-ball Lisboa, clubes desportivos da
primeira década de novecentos. A Academia de Santo Amaro é também resultado da
fusão de três colectividades do século XIX com vocações recreativas, musicais e
teatrais.
Alcântara tem sido abordada pelas Ciências
Sociais, havendo contributos fundamentais para o seu estudo, de Ana Luísa
Janeira, Carlos Consiglieri, Cláudia Leitão, Jorge Custódio, Mário Freire,
Marina Tavares Dias e Norberto Araújo, só para citar alguns dos mais conhecidos.
Do passado ficaram as marcas visíveis dos
Palácios Burnay, da Ega, Vale Flor, Conde Sabugosa e Palacete da Ribeira
Grande. Esta freguesia de Lisboa, que na transicção do século XX para o XXI se
transformou num sítio de lazer, oferece agora as Docas, um conjunto de bares e
restaurantes, com esplanadas ao lado do rio, uma restauração de nomeada e a Lx
Factory, nascida em 2008, num cenário industrial, onde encontramos inúmeros
contributos para um melhor conhecimento da moda, dança, cinema, publicidade,
comunicação, multimédia, arquitectura, decoração, música e literatura (Livraria
Ler Devagar).
O edifício da Comissão Reguladora do
Bacalhau de 1939 transmutou-se em 2008 no Museu do Oriente.
As metamorfoses de Alcântara são afinal o
espelho da evolução da cidade e do país.
*artigo publicado na revista da Aldraba, Associação do Espaço e Património Popular.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias a estação de Alcântara-Terra e da marcha de Alcântara). Graça Nogueira da Silva (fotografias da Capela de Santo Amaro e do adro em forma de proa de navio).
Sem comentários:
Enviar um comentário