"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, março 13, 2011

Grande Gente, os Alentejanos!


Há uns tempos, amiga certamente bem intencionada, mas pouco conhecedora do Alentejo e dos seus poetas, desafiou-me a apresentar um trabalho sobre o humor na poesia popular alentejana...

Ontem, na Biblioteca José Saramago em Beja, enquanto fazia tempo para regressar a casa, consultei antologias, obras individuais e confirmei o que escrevi há dez anos: a poesia do povo do sul está muito marcada, nas suas quadras e décimas, pela dureza do trabalho, pela exploração a que foram sujeitos, pelo sofrimento, pela miséria, pela fome, pois foram décadas que os jovens - felizmente - desconhecem, enquanto experiência própria.

O Amor à Natureza, à terra (que não lhes pertence) e à mulher eleita, são outras características daquela poesia, que não dispensa um olhar muito crítico sobre a Sociedade actual e a deriva egoísta do quotidiano...


Exemplo da forma de estar nostálgica e sofrida, é a poesia de Virgínia Maria Dias (in Poetas de Peroguarda, 1996), amiga de Michel Giacometti, que me lembro de ter escutado em "Um Lugar ao Sul", de Rafael Correia. Eis aqui dois excertos:

"Pedaços de terra pesam-lhe os passos
No corpo chicotes de frio e suão
Na voz notas de dor e cansaços
Calejada e disforme
a mão.
(...)
Mas na sua mesa tantas vezes nada
Tantas vezes apenas bolotas
E da dor que o mata
Fazem anedotas."

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"Só ficam os velhos
De brancos cabelos
Corrente de elos
Já sem continuidade.
Nas tristes fachadas
Das casas fechadas
Choram abraçadas
A solidão e a saudade."

E na Antologia Poética da Vidigueira, 2005, António José de Lemos escreve assim:

Não julgues por cantar rosas
que a vida me é um jardim:
disfarço em rimas mimosas,
revoltas dentro de mim.

(...)

Canto contra a emigração
do rural alentejano,
que nasce em terras de pão
e vai comer o pão estranho."

O Amor ameniza o peso do passado. Por isso, Maria José Antunes Carrinho declara:

"Meus beijos são passarinhos
Que andam voando à louca
Só param quando encontram
O ninho que é a tua boca".

Justino António Fialho, por seu turno, assegura:

"Amor com amor se paga,
Tudo tem a sua hora;
Quando um dia me pagares
É com juros de demora."


Contudo, há uma poetisa, Rosa Helena Moita que nos seus livros "Entre Margaças e Urtigas" (1992) e "Poesia" (1997) se diverte e nos delicia, falando de desinteligências no reino vegetal e entre animais. Fábulas humorísticas, que vale a pena descobrir.

Quem gosta do Alentejo e da sua gente, tem de ver para lá da paisagem, os grandes tesouros que persistem, na caminhada humana. Grande gente, os Alentejanos que por lá sonham, convivem e cantam!

Luís Filipe Maçarico (Pesquisa, texto e imagens - tudo recolhido no Alentejo / distrito de Beja.)

3 comentários:

Jo Cardeira disse...

bela travia de cogumelos, acompanhados de bom vinho e gente sempre genuína de Corte do Pinto!

Estas sempre convidado!

Alor disse...

Que bem se está..além T.: é do/no interior e não necessariamente com estrépito que se vem fazendo Resistência, na certeza do levantamento que se pede em passando a ribeira de T's e C's..;

Mar Arável disse...

O Alentejo vasto e belo

é a margem esquerda de todos os Tejos e Sados

Uma lufada de memórias
frescas até quando o sol incendeia
o corpo das palavras

Não nasci no Alentejo
só porque não decidi nascer

Abraço