"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, janeiro 03, 2010

Efabulações e Realidades


Durante anos, na cidade de São João de Deus, na Travessa dos Lagares, número 7, um portão muito antigo exibiu três aldrabas robustas, visitadas pelo tempo. E pelo desprezo.
Falavam de outras épocas e até de outras latitudes...
Reinventavam, ao olhar do viandante, estórias vividas ou lidas, que nos transportavam para exóticas paragens e suas lendas.
No Magrebe, por exemplo, supõe-se que terá havido o costume de usar estes três objectos para comunicar, através de um código, que era percepcionado nas habitações, consoante o som do toque, assim se sabia quem batia onde e quem era... Isto foi-me assegurado pelos guias, em Fez, ou por amigos, em Tozeur...
Há inúmeros blogues a contar essa lenda, mesmo que nunca a tenham escutado - hoje em dia copia-se o que os outros escrevem, - e é assim que alguns artigos surgem em revistas, baseando a sua "pesquisa" em textos de conteúdo romântico...
O que me diverte, é que algumas das historietas, que eu "vendi como comprei", são efabulações, repetidas até à exaustão - que começo a descobrir serem treta, por isso a minha próxima tese de mestrado vai pôr em causa um desses mitos...
Mas eu falava do portão de Montemor-o-Novo.
2009 teve o desmérito de ser o ano em que foi desmantelado este portão, que a foto mostra, e que mãos destruidoras deixaram um muro de silêncio, com uma portinha envergonhada, no lugar onde a imaginação respirava.
2009 foi também ano para vários atentados ao património na Travessa da Trabuqueta, aqui na freguesia dos Prazeres, Lisboa. Nas portas onde existiram entradas de madeira, triunfante, impera uma bebedeira de alumínio castanho, emblema da estupidez ostensiva de um povo ignorante, governado quase sempre por ministros e autarcas, que se estão nas tintas para minudências, mas que também não resolvem os grandes problemas.
2009, tal como 2010, porque nestas coisas não estou optimista, foi mais um ano em que muitas portas de saberes fazer se fecharam para sempre, escancarando-se as da mediocridade, da falta de bom gosto e sem beleza.
Estamos na era da Arte de esmagamento do que é tradicional e tem história.
Num mundo assim, eu não quero viver!
Luís Filipe Maçarico

1 comentário:

Ezul disse...

Meu caro amigo, um mundo assim acaba por ser mais uma razão para se continuar a viver e a lutar!
A propósito das aldrabas de Montemor, aproveitei estes dias para dar uma volta por várias ruas e para fotografar alguns exemplares. Pretendo colocar essas fotos num blog, um "dossiê" digital para apoiar as pesquisas dos alunos sobre a História e o Património da cidade e da região, procurando sensibilizá-los para a preservação do nosso património e da nossa identidade.
Mas confesso que, relativamente ao estado de conservação das portas, o panorama não é animador. Assim que concluir esse trabalho, indicarei o link.
:)
Manuela