"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Perfil de Eduardo Ramos, publicado no nº 27 do Jornal "Conversas de Café"





“Como sou dos poucos que faz este género de música sempre vou sobrevivendo.”

Uns anos antes de conhecer Eduardo Ramos em 2001, no Festival Islâmico de Mértola, já ouvira falar da sua primeira incursão na música arabista, cantando poetas luso-árabes. O seu disco “Andalusino” circulava. Seguiu-se “O Ocidente do Al-Andaluz”, “Moçárabe”, “Cântico para Al-Mutamid”, “Uma Noite no Palácio do Jasmim” (gravado em Janeiro de 2006, no Centro Cultural de Belém) e “Romances de Peregrino.” Inspirado na poesia de João de Deus, “Canto de Flores, Canto de Amores”, fora o seu primeiro trabalho discográfico.
Animador de festas reinventadas, como as “Noites da Moura Encantada”, em Cacela, ou da comemoração da Feira Medieval de Lamego, Eduardo Ramos tornou-se presença requisitada para concertos em Lagoa, Loulé, Silves, Albufeira ou nos Jerónimos (no Museu de Arqueologia) sob a égide da Associação de Amizade Portugal-Egipto. Nas suas actuações os filhos acompanham-no: Tiago na precursão e Carolina na dança do ventre.
Natural de Penedo Gordo, Beja, é em Silves que mora, há quase duas décadas, depois de uma dúzia de anos a residir no Carvoeiro. Aqui compõe as melodias mágicas com que nos brinda para ilustrar a poesia de Al-Mutamid e Ibn Amar.
O seu percurso está ligado à prenda que o pai lhe ofereceu na adolescência –uma viola. Com ela aprendeu a voar nos caminhos da Música. Filho de militar, viveu em Luanda, absorveu os ritmos africanos, fundou e tocou em conjuntos dos anos 60 e 70, prosseguindo no Algarve, onde conheceu a sua mulher Janica, uma busca musical que o levaria à escolha do universo poético e sonoro árabe, através de uma actuação de Anuar Brahem. Eduardo Ramos tomou então a decisão de adquirir um alaúde na Tunísia, durante uma viagem àquele país.
Eduardo recorda: “Formei em Angola, os “Windies”, “Grande Malha” e “Ki Kanta”, sempre com dois angolanos, Beto na bateria e Rakar na viola baixo. Viemos juntos para o Algarve e tocámos em grupos, bailes...Foi uma aprendizagem musical, para saber estar em cima do palco, o que é muito importante. Depois foi a fase de tocar em hotéis sozinho, com viola de doze cordas, música anglo-saxónica, tradicional portuguesa e angolana. Quando comecei a dedicar-me à música árabe, foi como reencontrar uma coisa que andava à procura. Ao ficar imbuído desses sons, dessa cultura musical, senti que era o que andava à procura há anos e anos, e do qual não quero mais sair. Ao nível profissional tem sido muito bom, tenho evoluído musicalmente, e ao nível de concertos, por causa de festivais/feiras medievais, árabes e islâmcas, há uma abertura à medievalidade e arabidade. Como sou dos poucos que faz este género de música sempre vou sobrevivendo.”
Eduardo Ramos compõe “de cabeça e fixo tudo. Não sei uma nota de música.” Quando as melodias surgem“ É um mistério. Às vezes estou na cama, ligo o gravador, toco o alaúde e aprendo o que tinha gravado no dia anterior. São coisas repentinas, que não sei de onde vem, parece que são deuses, musas, que nos sopram a inspiração. A improvisação faz muito parte da minha música. Isso é capaz de vir da minha passagem do jazz-rock.” Tem três alaúdes, todos tunisinos e está à espera do quarto. Mas utiliza também a flauta indiana, a zucra (que é uma gaita da Tunísia, feita em cana que tem um corno), gambry de Marrocos, berimbau, quissange (de África, que aprendeu em Angola) e viola.
Com espectadores fiéis que o acompanham pelo país (“Em todos os espectáculos senti que o público sempre teve uma grande comunhão”), Eduardo Ramos é um músico de referência pelo excelente desempenho, de grande originalidade e qualidade. “As poucas pessoas que têm tido conhecimento, têm elogiado o meu trabalho, mas como é fora do circuito comercial e só uma minoria liga à cultura, é conhecido de um pequenino público que se interessa pelas minhas coisas.”
O alaúde nas suas mãos é fonte de poesia, asa feliz de pássaro livre. Pergunte urgentemente pelos discos dele, pois nem sabe o que anda a perder...

Texto e fotos: LUÍS FILIPE MAÇARICO

4 comentários:

Fernando Pinto disse...

Amigo Luís, gosto muito das fotos e dos textos que nos ofereces... Emanam poesia!

Abraço,
Fernando Manuel

marialascas disse...

Eu gosto muito muito da música do Eduardo Ramos, e da sua pessoa e da Janita, de quem tenho saudades...

Manuel Alexandrino disse...

Conheço o Eduardo Ramos desde sempre, somos conterrâneos e contemporâneos. Fomos amigos. Vemo-nos poucas vezes, infelizmente para mim. Sempre o admirei e não só como músico. Ao vivo vi-o actuar 2/3 vezes, na TV outras tantas, quando sei que vai passar. Mas não passa tantas quanto o seu talento e estilo unico de música merecem, para mal dele, de nós todos e da cultura portuguesa. Dele, tenho uma cassete antiga que inclui uma música linda dedicada à filha, que, aliás, tem o seu nome. Soube há pouco tempo que tem mágoas da sua terra natal a propósito de um concerto que lá deu. Gostava de lhe dizer que meia dúzia de incultos ou energúmenos, ou mesmo mais, não representam a grande maioria que tem muita honra em tê-lo como filho da terra. Já te ouvi em Mértola e em Armação de Pêra num hotel. Parei, ouvi e acenei-te, provavelmente não me reconheceste. O tempo passa, é verdade,ambos já temos barbas grisalhas, e vão longe os nossos jogos de bola no largo fronteiriço à Escola Primária...Um abraço do Manel Isaías.

oasis dossonhos disse...

Eduardo Ramos
Publico com muito gosto, mensagem recebida por email pelas 17:52 de hoje (43 minutos atrás)

Manuel Isaias...não me esqueço das nossas tardes atrás duma bola,como agradeço as tuas palavras que vieram através deste espaço do meu grande amigo LUIS M.
Meu contacto: 965034764. Um abraço do Eduardo Ramos