Não há muito tempo havia ainda moiras encantadas no nosso País...
Tenho 72 anos e, o meu avô materno que era de Sesimbra, contava-me histórias e lendas da sua terra que ele amava.
Eram histórias de pescadores, de naufrágios, algo fantasiados e de moiras encantadas.
Devo, em primeiro lugar dizer que esse meu avô era um homem culto, combatente pela República, de ideias muito avançadas para o seu tempo.
Ele contava-me a seguinte lenda, passada com a "curiosa" (parteira) que o ajudou a nascer em 1881. Chamavam-lhe Raposima e creio que ninguém saberia dizer qual o seu nome de baptismo.
Ela como quase todas as mulheres daquela terra, era casada com pescador e tinha um rancho de filhos. Como em todos os lugares tinha de haver alguém que acudisse àquelas que estavam a parir e ela, como tinha "jeito e saber", ia quer de noite, quer de dia, ajudar a pôr os meninos neste Mundo. Coisa perigosa e difícil naquele tempo e na nossa terra, em que a maldição de "parirás com dor", era tida e temida como certa e era sempre para todas as mulheres momentos entre a vida e a morte.
Mas vamos à lenda:
Numa noite de temporal, em que o ruído do mar se ouvia no castelo, em que os relâmpagos iluminavam os areais e a chuva fustigava tudo e todos, bateram, altas horas, à porta da humilde casa da Raposima.
Era um embuçado a chamá-la para acudir a uma mulher que estava em trabalho de parto havia muitas horas e, segundo ele, estaria às portas da morte, lá para os lados da Pedra Grande.
A Raposima disse que não poderia ir, pois o tempo estava horrível e ela nem sequer sabia para onde a ia levar e tinha medo.
Depois de muito instada, comoveu-se com as súplicas do homem e lá o acompanhou.
(Quem esteja de frente para o forte de Sesimbra virado para o mar, o areal do lado esquerdo estendia-se, naquele tempo, até uma falésia muito alta que entrava pelo mar dentro, onde hoje há só cimento armado e condomínios fechados...)
Lá foram a rudes penas, pelo areal, encharcados e batidos pelo vento. Algumas vezes Raposima quis voltar para trás. Mas o homem suplicava, chorava e prometia que ela seria a mulher mais rica do mundo se lhe salvasse a mulher e o filho, que era o primeiro.
Chegaram, por fim, à Rocha e o homem bateu como quem bate a uma porta.
A Rocha abriu uma passagem e a Raposima viu-se dentro de um palácio, que diremos nós, das Mil e Uma Noites. Um luxo como ela não poderia imaginar filha de gente pobre, analfabeta e cujos limites acabavam na linha do horizonte do mar de Sesimbra.
No meio do deslumbramento viu uma linda princesa moira que estava a parir no maior desespero e sofrimento.
Raposima arregaça as mangas e vá de ajudar e fazer o que sabia. Passam horas de angústia, mas por fim, lá nasce um lindo menino. Choram todos de alegria e o pai leva a Raposima a uma sala onde se amontoavam pedras preciosas, ouro, pratas e joias. Perante o seu pasmo, o homem disse que levantasse o avental e fizesse uma abada do que quizesse mas...com a condição de que NUNCA dissesse o que vira e donde lhe vinha a riqueza porque se não...
A tempestade amainara e o dia ia raiando quando Raposima sai da Rocha e corre para casa como louca para esconder o tesouro onde ninguém o visse, mas toda a gente a martirizava com perguntas a que ela durante muito tempo resistiu. Porém, não podendo mais calar, confessou a uma das filhas o seu segredo.
Quando quis provar que tudo era verdade, foi buscar o tesouro. Abriu o esconderijo e só restavam pedras sim, mas de carvão!
Até à invasão da "urbanização" a Rocha passou a chamar-se Pedra da Moira e a Raposima foi continuando a ajudar a nascer os filhos dos pescadores, recebendo em troca algum peixe e outras modestas pagas. Morreu velhinha sempre acreditando que conhecera a Princesa Moira.
E é sempre com emoção que conto esta história aos meus netos, pela proximidade da vida da Raposima connosco, pelo sonho e fantasia !
3 comentários:
Que bela lenda!
Que ensinamento nos dá!
Bem hajas por mais uma pérola, nesta blogosfera onde cada vez mais se lê ódio, maldicência e outras vezes apenas cópias e plágios.
Aqui sente-se gente genuina e amizade!
Um Bj
:)
Luís essa história da Magda faz-me lembrar as que a minha avó, só com o dão que elas têm, me contava. Tenho pena de não conviver mais com pessoas mais velhas e com mais vivências para contar, pois a maior parte dos mais novos como eu só têm ar e vento nas cabeçinhas.
Outro dia encontrei esta lenda aqui,na biblioteca...Ai o que me ralei p a reencontrar, e não consegui...hoje,passada uma semana, dou com ela...
Pois é, sou de Sesimbea, mas não conhecia esta história...infelizmente, ainda ninguem compilou as nossas lendas, segundo informação dada na nossa biblioteca.
Um bem haja a quem a publicou aqui
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