"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, março 03, 2018

Acerca das Livrarias que não Páram de Fechar: A Grande Verdade

A grande verdade, que tem levado ao encerramento das Livrarias é, como conclui Pacheco Pereira,  a "morte de muitas outras coisas, do valor do conhecimento, do silêncio, do tempo lento, da leitura, da verdade factual e da usura da democracia".
Os hipermercados e superfícies com livros e discos como a FNAC, ocuparam um espaço que nos Centros Comerciais, as pessoas se habituaram a frequentar, enquanto espreitam lojas de vestuário, telemóveis e de muitos outros objectos de consumo.
Nos chamados "Fóruns" comerciais, desde os produtos pré-cozinhados ou frescos para alimentar a família, até à venda de automóveis, tudo tem lugar.
Nos bairros das cidades maiores, outrora com uma vivência de vizinhança e proximidade, abundam os alojamentos locais, os hotéis de charme, montras anunciando conservas de robalo, dourada e corvina a quase 20 euros a embalagem.
Recordo-me constantemente do que me disse há alguns anos, a fisiatra que me acompanhou durante muitos meses, Dra. Virgínia, que Portugal ia tornar-se num país de serviços para os turistas que iam invadir o país e que os portugueses se transformariam nos seus criados.
Visionária, acertou em cheio.

Percorrer a Baixa lisboeta é encontrar a esmo lojas de produtos reinventados para turista, como o pastel de bacalhau com queijo da serra, iniciado em 2014 (por trespasse de ourivesaria que existia desde o início do século XX) mas cujo proprietário na espampanante publicidade afirma ser tradicional, aquela iguaria, desde 1901. Maria de Lurdes Modesto foi insultada ao insurgir-se contra esta inversão de valores gastronómicos. Talvez por adeptos dos empresários que inventam estas situações, às quais nenhuma legislação ou autoridade municipal / nacional se preocupa em controlar, defendendo-se com a liberdade, a mesma que permite ir a um restaurante frequentado por quadrúpedes, além dos que abundam no mundo supostamente humano.
Eu mesmo fui (quase) maltratado por uma adepta do progresso, atacando-me por estar contra a modernidade e que Lisboa estava cada vez mais linda.
Pobre senhora, que vive longe e não sabe da missa a metade. Outra escreveu no meu Facebook que criou os filhos na cidade, que foi feliz com o marido e por isso ama Lisboa. Como se eu não tivesse já prestado inúmeras provas de amor a Lisboa, onde vivi 63 anos da minha vida, na Poesia e em tantos escritos e reflexões.

A confusão nas mentes, a falta de memória e de reflexão, a leitura que anestesia, a ausência de espírito crítico é algo que vem do Fascismo e ainda mais de trás, da Inquisição, dos Pina Maniques, da Pide antes da Pide...questões que a designada Revolução de Abril não resolveu, pois ainda há pouco tempo escutei pessoas (algumas com formação académica questionando para que servia haver uma exposição na terra de Eugénio, se ele nada tinha feito pela localidade....)

No barco que liga Cacilhas a Lisboa, no Metro, nos autocarros da Carris é caso raro alguém estar a ler um livro - e quando acontece é um daqueles tijolos de autores que escrevem a metro sobre a baba e ranho derramada por uma heroína telenovelística, aumentando a mediocridade do pensamento de um povo formatado e sem visão global, muito dependente da opinião insuflada por tiradas populistas, de políticos pindéricos mas aparatosos nas suas declarações, que nem categoria para coordenar a comercialização de bolas de Berlim nas praias parecem ter... 

Frequentei a Aillaud & Lello, como outras livrarias. Ali comprei vários exemplares do magnífico livro de Teresa Caillaux de Almeida sobre a Memória das Invasões Francesas...
O problema para mim é o dinheiro não abundar.
O custo de vida, os gastos diários para a alimentação. saúde, higiene, água, luz, transportes, rendas de casa, e tantas outras necessidades, quando o salário mínimo é tão pouco comparado com os países da Europa evoluída, as pensões de reforma, tudo isso impede de fruir cinema, teatro, espectáculos vários, de Música e Dança e...claro, a Leitura!

Enquanto se pensar apenas no Turismo, como factor que sustenta e Economia e as Pessoas que fazem parte da População do País continuarem a enfraquecer, a vários níveis, o filme de terror vai continuar e as cidades, por mais resplandescentes que os seus edifícios possam parecer, na fachada, no seu interior serão inacessíveis aos genuínos moradores (expulsos para as periferias pela gentrificação), a identidade morre, as tradições - como as marchas e as colectividades - definham, não resistindo a rendas incomportáveis e à intermitente sangria de habitantes (em Alfama parece que já só há metade dos que nesse bairro residiam).
É neste contexto que as lojas antigas (livrarias incluídas) acabam. Porque isto anda tudo ligado, como disse o Eduardo Guerra Carneiro...

Luís Filipe Maçarico


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