"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, maio 05, 2010

KIKO












Há uma semana atrás, estava eu de partida para o trabalho, "choveu-me" um ninho pela chaminé abaixo, aparecendo-me esta criatura, assustada, chorosa, pois acabara de perder o carinho da sua mãe.
Fui adoptado!
Meti o animalzinho na varanda, com pão e água e pensei que, devido ao calor que estava naquela segunda-feira ele não aguentaria.
Só que quando cheguei, e mudei água e comida, ele muito pesaroso, respondeu à minha voz.
O bicho parecia não comer nada e continuei preocupado.
No dia seguinte, nova caloraça e ao regressar, pareceu-me que comera alguma coisa e até a água parecia-me provada.
Estava eu procedendo ao ritual da limpeza do espaço e eis que o pequeno ser entrou esbaforido casa dentro, escondendo-se debaixo da minha cama.
Com alguma paciência retirei-o, devolvendo-o ao ar morno do entardecer. O borracho reagiu então, atirando-se várias vezes, qual kamikaze, contra a porta da varanda.
Ao 3º dia, logo de manhã, atirou-se da varanda, em "pára-quedas"... Aflito pedi ajuda aos amigos artesãos que montavam naquele momento uma feira no meu largo...
Encontraram uma caixa de cartão espaçosa para a ave e deram-lhe arroz, milho partido e bolachas de água e sal. E água, claro.
Todos os dias, enquanto a feira durou, levei e trouxe o pombinho, que ficou à guarda do Amigo da Tapada das Necessidades, sr. João Pinto Soares.
Nas últimas três noites retirei-o da varanda. Tem dormido aconchegado na chaminé onde caiu. Serve também para sentir que a mãe está por perto, pois ouve-se o grulhar de um pombo adulto.
Também comecei a passeá-lo, ao fim do dia, quando chego do trabalho, ontem foi à farmácia para saberem quem era o destinatário de um conta gotas que conseguiram encontrar para ele.
Hoje, e tal como os chineses de Macau fazem com os seus pássaros, levei-o ao Jardim.
Podem achar que enlouqueci, mas a verdade é que dá-me a sensação que o kiko (assim baptizado pelo Francisco, um menino a quem contei a estória do pombo-bébé, durante um jantar com os avós) percebe qualquer coisa daquilo que se passa à volta dele.
Ou então, que explicação encontram para o facto dele me responder quando saio do autocarro ao chegar do trabalho e páro diante da varanda, cá em baixo na rua, chamando-o: "Kiko!"
Fica logo em polvorosa e salta para as minhas mãos, abrigando-se, como se a mãe estivesse ali. Descobri que afinal sou capaz de ajudar um pássaro na luta pela conquista do seu território, que é o ar. Na sua emancipação, até conseguir dominar sem hesitações, o voo.
Simbolicamente tudo isto se passou, enquanto o 25 de Abril, o 1 de Maio e o Dia da Mãe decorriam. Anseio o dia em que possa devolver-lhe a liberdade. Será um dia feliz para mim, porque não gosto de ver animais presos. E porque também gosto de pessoas, a quem desejo essa liberdade e muitos sonhos.

texto de Luís Filipe Maçarico; fotos de António Brito e LFM

3 comentários:

lost disse...

Adoro-te amigo! Saõ nestes gestos ~(e noutros, vindos de ti!)que se vê a essencia das pessoas. E tu és uma pessoa com um coração enorme. Um dia ele voará e representará a liberdade.Obrigado por teres salvo o Kiko!

Azevinho disse...

Já te vejo a caminhar com uma sombra alada projectada ao céu e digna de um poeta amoroso como tu!

mariabesuga disse...

Sábio... TU que até sabes ser colo mãe... tudo o que esse bichinho precisa neste momento até que possa permitir-se soltar asas...

BjAbraço meu