"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, agosto 16, 2006

A Língua do Poder


Não percebo esta gente do Poder. Parece que têm uma arrogante obcessão pela propaganda e debaixo dessa obcessão relativizam tudo: vidas humanas e de animais, espécies protegidas que desaparecem para sempre, haveres irrecuperáveis, porque afectivos e biográficos, arvoredo que não volta a ser o mesmo, sítios que ficam com a nódoa da mágoa matando de tristeza pelo menos os mais velhos.
O ministro responsável pela extinção dos fogos florestais proclamou que o balanço é positivo, pois apesar de se terem verificado mais incêndios do que no ano transacto, a área ardida é menor. Um responsável policial afirmou que a operação stop do último e longo fim de semana teve balanço positivo: 10 mortos (menos 3 que em 2005).
Escutei estas palavras e não queria acreditar. Como é que este país não há-de ser a tragicomédia que é? E se estes senhores estivessem calados, não era melhor?
Para mim, balanço positivo era não ter ardido nada nem ter falecido ninguém.
(imagem gentilmente enviada via net por Pedro Silva)

4 comentários:

Abade.anacleto disse...

Amigo L., este teu artigo fez-me lembrar carinhosamente o Alentejo e os seus dizeres do tipo: O Manél têve sórti, caíu duma escada é só partiu 1 braço e 1 perna. Ora pôrra, digo eu (que sou alentejano), ele teve foi um azar desgraçado em ter caído da escada. Faz lembrar o excelente "Cartoonista" o Quino e a sua Mafalda, quando esta afirma: "Temos de tirar das grandes derrotas, as pequenas vitórias". Assim anda este país. Não se erradica a desgraça, há um contentamento mórbido em referir que afinal a desgraça foi um pouco mais pequena! Ora vão cavar batatas para a praia.
Mais uma vez vais directo ao que importa dizer e ler.
Um grande abraço do teu amigo F.

Eduardo Castro Serra disse...

E depois só falta ouvir aquele comentário, muito genuíno, de que o Português não se consegue libertar: Olha, no meio do azar, até tivemos muita sorte. Podia ser bem pior!

Aceitam-se passivamente as situações como uma fatalidade menor. arrepiante mas sem contestação.

Um abraço

Tinta Azul disse...

O problema é mesmo o balanço! ganham balanço a dizer...e depois dizem dizem, mesmo que seja asneira. Enquanto arder uma árvore, enquanto se perder uma vida, como podem os balanços ser positivos? É uma questão de rigor que devia ter quem fala para o país. Pode dizer-se que ardeu menos, que se morreu menos, mas nunca que o balanço positivo!

musicker disse...

Pois é Maçarico... neste país tudo funciona como se nada se houvesse passado. Entre balanços positivos que nunca o deveriam ser e balanços negativos que nunca são assumidos, a alegre vidinha de 'srs. engenheiros políticos directores e outros que tais' continua a rolar a bom vapor.
Entretanto, no país real, parece que só uns quantos se vão importando com o que (não) se passa.
E como o blogger ecs disse, e muito acertadamente, este malfadado 'e podia ser muito pior' continua a progredir e a resistir à 'modernidade'. Porquê? porque é constantemente promovido a 'do mal o menos' pelos imensos balanços positivos de que este país se faz.
Bem hajam.