Na sua casa, em Silves, as paredes respiram sensibilidade. Objectos biográficos, fotografias, memórias teimam em guardar ocasiões especiais.
Enquanto Gambry, o cão ladino se delicia escutando Eduardo Ramos, virtuoso do alaúde, a revisitar melodias do Al-Andaluz, Janica prepara um bocado de argila para soltar o sonho.
Entre amassaduras e pincéis, formas e cores nascem, para encantar todos aqueles que visitarem a feira da Serra.
Olha-se para o resultado do seu apuro e admira-se a singularidade desse labor minucioso e afectivo. Envolve-nos o pormenor, a beleza da tradição, o encantamento de existências simples registadas em casinhas e figuras marcantes.
No riso de menina que o tempo não apaga, Janica parece dizer-nos: “Ei! Agarrem a vida”!
Maria João (Janica) é artesã, que esculpe em barro pedaços do quotidiano - a velha e o cão, a porta e as galinhas, a varanda e o gato, o morábito, a casa do sul com platibanda. Presença assídua em feiras, as suas obras cativam há décadas uma clientela fiel. Porque a marca das mãos e da alma é única.
Neta de avó paterna de Mértola, filha de um alentejano de Beja, nasceu na Beira (Moçambique) tendo vindo para Portugal com 18 anos. A arte surgiu nesta confluência de mundos...
“Acho que desde criança tinha jeito para o desenho. Não me lembro mas dizem isso! Para me safar, aqui no Algarve, estive com pessoas de Moçambique a trabalhar em “jeans”, eu só bordava... Agora é muito moda! Tinha sempre um bordado meu! Vivi perto de uma praia de Albufeira, nem havia luz. Bordava à luz da vela. Assim, consegui sobreviver até encontrar o Eduardo (Ramos) a tocar em Albufeira. Depois por causa de ter os putos em casa, comecei a trabalhar no barro. Foi um amigo que me pôs o barro nas mãos... A primeira coisa que fiz foi quase já uma casinha... Comecei a olhar para as casas do Algarve de outra maneira... mais tarde foram as igrejas. Foi o Algarve que me acolheu, embora eu também já tenha feito coisas do Alentejo. Nas minhas visitas tiro sempre pormenores do Alentejo.”
Qual é a inspiração para os trabalhos?
“ É andar por aí de máquina fotográfica, papel e lápis. São muitos anos. Embora haja tanta coisa destruída, mas vejo outras coisas que o meu olhar não tinha visto antes.”
Janica reflecte sobre a sua arte:
“É um ofício de meditação e silêncio. É um trabalho solitário também. As peças grandes são horas! É muito de meu, que eu entrego-me toda!”
O que é ser artista, mulher de artista, mãe de artistas?
“Nunca tinha pensado nisso... É tão normal!... Sou uma pessoa que gosta de passar despercebida. Vivo a minha vida, o meu dia a dia, nem penso nisso! Só sei que dou muita força a eles, mais do que a mim!” Dei muita força à minha filha para ser bailarina, aquilo que eu nunca fui. Estudou em Tildbeerg (Holanda) coreografia e dança contemporânea. O Tiago acompanha o pai na percurssão; é técnico de som na Gulbenkian…”
A sua participação em feiras e o seu envolvimento com um público, começaram quando?
“Foi há 21 anos. Foi a FATACIL (Lagoa) que era perto da minha casa. E a partir daí comecei a levar o trabalho muito a sério e faço muitas feiras, sobretudo no Algarve. Tenho coleccionadores de todo o Mundo… França, América… Os clientes são como amigos. E depois na FATACIL é engraçado, de ano para ano as pessoas voltam e trazem amigos, compram sempre qualquer coisinha ou vêm só para cumprimentar. É isso que é engraçado!”
Nos versos de terra que as suas mãos escrevem, Janica celebra uma identidade que tem perdido referências. Estas cortinas de renda na janela onde o felino espreita, são sinais de um tempo que pode não voltar. Sinais de uma gente que deixou na paisagem a magia de uma ancestral forma de estar. O espaço reconfigura-se. Antes que sobre uma réstea de nada, Janica percorre sítios, rescobre segredos. Janica procura o sol da terra para poder partilhar um pedaço da felicidade que nunca teremos. A Sabedoria.
Texto (de 13-2-2005) e fotos (de Janeiro de 2006) de Luís Filipe Maçarico
Enquanto Gambry, o cão ladino se delicia escutando Eduardo Ramos, virtuoso do alaúde, a revisitar melodias do Al-Andaluz, Janica prepara um bocado de argila para soltar o sonho.
Entre amassaduras e pincéis, formas e cores nascem, para encantar todos aqueles que visitarem a feira da Serra.
Olha-se para o resultado do seu apuro e admira-se a singularidade desse labor minucioso e afectivo. Envolve-nos o pormenor, a beleza da tradição, o encantamento de existências simples registadas em casinhas e figuras marcantes.
No riso de menina que o tempo não apaga, Janica parece dizer-nos: “Ei! Agarrem a vida”!
Maria João (Janica) é artesã, que esculpe em barro pedaços do quotidiano - a velha e o cão, a porta e as galinhas, a varanda e o gato, o morábito, a casa do sul com platibanda. Presença assídua em feiras, as suas obras cativam há décadas uma clientela fiel. Porque a marca das mãos e da alma é única.
Neta de avó paterna de Mértola, filha de um alentejano de Beja, nasceu na Beira (Moçambique) tendo vindo para Portugal com 18 anos. A arte surgiu nesta confluência de mundos...
“Acho que desde criança tinha jeito para o desenho. Não me lembro mas dizem isso! Para me safar, aqui no Algarve, estive com pessoas de Moçambique a trabalhar em “jeans”, eu só bordava... Agora é muito moda! Tinha sempre um bordado meu! Vivi perto de uma praia de Albufeira, nem havia luz. Bordava à luz da vela. Assim, consegui sobreviver até encontrar o Eduardo (Ramos) a tocar em Albufeira. Depois por causa de ter os putos em casa, comecei a trabalhar no barro. Foi um amigo que me pôs o barro nas mãos... A primeira coisa que fiz foi quase já uma casinha... Comecei a olhar para as casas do Algarve de outra maneira... mais tarde foram as igrejas. Foi o Algarve que me acolheu, embora eu também já tenha feito coisas do Alentejo. Nas minhas visitas tiro sempre pormenores do Alentejo.”
Qual é a inspiração para os trabalhos?
“ É andar por aí de máquina fotográfica, papel e lápis. São muitos anos. Embora haja tanta coisa destruída, mas vejo outras coisas que o meu olhar não tinha visto antes.”
Janica reflecte sobre a sua arte:
“É um ofício de meditação e silêncio. É um trabalho solitário também. As peças grandes são horas! É muito de meu, que eu entrego-me toda!”
O que é ser artista, mulher de artista, mãe de artistas?
“Nunca tinha pensado nisso... É tão normal!... Sou uma pessoa que gosta de passar despercebida. Vivo a minha vida, o meu dia a dia, nem penso nisso! Só sei que dou muita força a eles, mais do que a mim!” Dei muita força à minha filha para ser bailarina, aquilo que eu nunca fui. Estudou em Tildbeerg (Holanda) coreografia e dança contemporânea. O Tiago acompanha o pai na percurssão; é técnico de som na Gulbenkian…”
A sua participação em feiras e o seu envolvimento com um público, começaram quando?
“Foi há 21 anos. Foi a FATACIL (Lagoa) que era perto da minha casa. E a partir daí comecei a levar o trabalho muito a sério e faço muitas feiras, sobretudo no Algarve. Tenho coleccionadores de todo o Mundo… França, América… Os clientes são como amigos. E depois na FATACIL é engraçado, de ano para ano as pessoas voltam e trazem amigos, compram sempre qualquer coisinha ou vêm só para cumprimentar. É isso que é engraçado!”
Nos versos de terra que as suas mãos escrevem, Janica celebra uma identidade que tem perdido referências. Estas cortinas de renda na janela onde o felino espreita, são sinais de um tempo que pode não voltar. Sinais de uma gente que deixou na paisagem a magia de uma ancestral forma de estar. O espaço reconfigura-se. Antes que sobre uma réstea de nada, Janica percorre sítios, rescobre segredos. Janica procura o sol da terra para poder partilhar um pedaço da felicidade que nunca teremos. A Sabedoria.
Texto (de 13-2-2005) e fotos (de Janeiro de 2006) de Luís Filipe Maçarico
5 comentários:
Não conheço a Janica e já apetece ouvi-la, observar as suas peças, acarinhar o seu trabalho... as palavras do Luís têm este efeito quando são de elogio genuino, o único que lhe conheço.
Beijinho ao Luís e o desejo de que um dia hei-de conhecer a Janica!
A Janica, ainda que o deseje, não passa despercebida.
A sua serenidade entra em nós dando-nos aconchego de mãe, o seu sorriso faz palpitar a nossa alma e na partida, na separação, o nosso desejo é ficar. Por isso, dela saem casinhas tão belas...
Janica um artesâ artista, para quem a ribalta não é importante, só a criação conta.
Um abraço. Augusto
querida teresa
o célebre jantar coincide uma vez mais com uma tarefa, das múltiplas coisas que faço (e gosto de fazer): terei nessa noite de preparar as coisas para ir ainda nessa noite ou na madrugada seguinte para alpedrinha, para participar na assembleia geral da liga dos amigos de alpedrinha, da qual sou presidente do conselho fiscal. Capisci?
A minha vida é mesmo assim.E há muitos anos que tem sido. E ontem fui eleito também presidente do conselho fiscal do “Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”, colectividade da freguesia onde moro e que faz este ano 100 anos.
Beijinhos
Luís
Bonita homenagem à Janica. Ela merece.
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