"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, maio 21, 2016

Lançamento em Alcanena da obra "Cataventos", de Zulmira Bento


Na presença de conterrâneos, convidados, familiares e amigos, decorreu na Biblioteca Municipal de Alcanena, a apresentação do livro "Cataventos", de Zulmira Bento, presidida pela senhora Presidente da Câmara local, Drª. Fernanda Asseiceira.
Colaboradores desta obra vindos do continente e dos Açores, vieram manifestar o seu apreço pelo trabalho da autora, que na assistência contou também com a sua professora de português.
Quero deixar aqui expressa a minha gratidão pela forma como fui recebido, quer pelo responsável da Biblioteca Municipal de Alcanena, onde o livro foi lançado, Dr. Óscar Dinis, pela Professora Zulmira e pela senhora Vereadora da Cultura, Engenheira Maria João Gomez.
A Aldraba esteve presente através das pessoas dos fundadores José Prista e sua esposa Luísa Cabrita, bem como do Presidente da Direcção, José Alberto Franco e da Tesoureira Maria Eugénia Gomes, também fundadores.
Transcrevo o Prefácio que fiz para esta publicação:

"Em boa hora, Zulmira Bento se dedicou ao levantamento exaustivo e à reflexão sistemática acerca de um património que ostenta a riqueza irrepetível da arte do ferro, que Aquilino Ribeiro comparou à filigrana.
Depois de um estudo sobre as chaminés de Alcanena, é a vez da autora olhar para os Cataventos do seu concelho, esses utensílios quase ignorados que evocam a meteorologia dos nossos antepassados, servindo para alindar os lugares com a criatividade popular dos mestres de forjas e vidas evaporadas.
A Câmara Municipal de Alcanena, que saúdo e aplaudo, é um caso singular pois apoia e divulga, de forma exemplar, uma recolha única, que merece ser seguida por outros municípios, tão abundante é o nosso país em objectos, monumentos, tradições e num povo que resiste em manter a sua identidade, na variedade musical, na gastronomia e artesanato diversos, nos vários costumes e rituais.
Zulmira Bento foi testemunha da heroicidade dos seus ancestrais, que criaram gado, num território de pedra porosa, por onde se escoava a água.
Vinda do ponto mais distante do concelho - Vale Alto - o qual lhe mereceu aprofundada monografia, foi a primeira pessoa da terra a licenciar-se em Germânicas, na mais antiga universidade portuguesa. Muito determinada, deu aulas, sendo destacada pelo Ministério da Educação em todo o distrito de Coimbra.
No mundo da escrita e da pesquisa onde se realiza, evidencia um genuíno interesse pela herança colectiva. “Sou muito curiosa e era uma pena que as coisas desaparecessem sem registo. Na linha da cidadania, acho que tenho obrigação de o fazer”.
É assim que acompanhamos o percurso histórico dos cataventos e do ferro forjado, conhecendo a escola de Coimbra, Mestre Gonçalves e o grande Arnaldo Malho.
Constatamos, a par da riqueza de formas e símbolos nos telhados de Alcanena, como são os casos dos galos, do dragão, de um coelho, de um carro antigo, de aves, da apanha da azeitona ou de figos, do jogador de futebol ou de um engenho voador, que de Guimarães a Tavira, de Braga ao Crato, do Porto à Madeira e aos Açores ou de Vila Real a Alter do Chão, as representações saídas das oficinas artísticas ou das mãos do imaginário popular, propõem anjos, cães, naus, leões, peixes, cegonhas, os cavalos da coudelaria de Alter, o pastor das cabras, o guardador de porcos, o campino, o burro, o pato ou a réplica do galo que, em Monsanto - concelho de Idanha a Nova, - assinala, na torre de Lucano, o original de prata, ganho no concurso da “Aldeia mais Portuguesa de Portugal”, em 1938.
Zulmira percorreu de Norte a Sul o país, conseguindo em alguns casos a ajuda de informantes que lhe enviaram imagens de sítios onde não pôde chegar.
O resultado é impressionante e inédito, ancorado nas investigações de Rocha Peixoto e José Prista, apresentando referências bibliográficas que engrandecem o nosso conhecimento, acerca desta temática, tão pouco tratada pelos nossos etnógrafos e eruditos locais, que passam sempre ao lado do património imperceptível.
Jorge Dias escreveu que “As criações populares (…) são o produto de uma longa elaboração local, em épocas em que a falta de meios de relação segregavam as populações das influências urbanas e em que os contactos com grupos vizinhos eram pouco intensos (…) Eram obras perfeitas no seu género, porque eram puras, sinceras e totais. Um produto de um grupo social isolado era elaborado da mesma maneira que uma ostra segrega uma pérola.[1]
Zulmira Bento nesta sua obra aborda os cataventos de Alcanena e do país, com a metodologia das Ciências Sociais, comentando de forma acessível para o leitor os materiais observados. E porque só podemos amar o que conhecemos, este é um contributo que, para além de enriquecer a população de todas as idades de Alcanena, permite aos responsáveis autárquicos, à Igreja e aos particulares salvaguardarem este património no concelho e em todas as autarquias. Quem sabe se não começa aqui, pela mão desta mulher apaixonada pela preservação de tais tesouros, um movimento de cariz cultural que possa salvar do esquecimento estas memórias vivas de um tempo, que sendo passado é raíz do nosso futuro?"

Luís Filipe Maçarico
Antropólogo

[Fotografias de Maria Eugénia Gomes]

[1] DIAS, Jorge “Reflexões de um Antropólogo”, Cadernos de Etnografia, Barcelos, 1968, p. 40.

1 comentário:

Elvira Carvalho disse...

Muito interessante.
Gostei de vê-lo.
Um abraço e uma boa semana