Na passada quinta-feira 18 de Outubro, com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Castro Verde, Francisco Duarte, do Vereador Paulo Nascimento, do Presidente da Junta de Freguesia de Entradas, do Director do Campo Arqueológico de Mértola, Professor Cláudio Torres, do Pintor Manuel Passinhas e de outras personalidades, da vida política e da cultura alentejana, além de muitos populares, naturais de Entradas, foi apresentado pelo poeta Miguel Rego, o livro de poesia, de minha autoria, "Transumância das Pequenas Coisas", cujos poemas foram ditos (ou lidos) pelo povo de Entradas, desde uma criança a idosos. Este inesquecível evento, muito desejado, mereceu da minha parte a partilha do seguinte texto:
"Estes
versos nasceram, ouvindo o mar e a pronúncia das míticas irmãs de Braga, que ao
longo dos últimos anos, têm sido companhia, nas breves férias de Junho, em
Odeceixe.
Na
praia do Vale dos Homens, dei largas à memória, revisitando a Gardunha, do
caminho romano, da bela Alpedrinha, das águas puras e dos rostos tisnados dos
pastores, celebrados numa festa reinventada, todos os anos em Setembro, com
música de chocalhos.
Com
Natália e Marta subi à serra de Monchique, antes de voltar à barulhenta
Alcântara, onde resido e que, nos últimos tempos, viu surgir esplanadas com
grupos ruidosos, gritando hálitos de vinhaça, casas de fado, em vão de escada,
expelindo fadistas desbocadas, a disparar vernáculos na via pública, adolescentes
de vida fragmentária e disfuncional, como a Inês que quer ser João,
estilhaçando vidros, estendais e os dedos de Neptuno, que encima o chafariz
monumental, segurando o tridente, derrubado com uma bolada certeira, que desde
1845 era o emblema da Praça da Armada, ao ponto do povo lhe chamar “O Zé do
Garfo”…
A bola
e o álcool, são quem mais ordena, nestes dias da cidade, típica para os que não
moram lá…
Dias
depois, dei comigo a dormir numa cela de um conventículo, em Montejunto, que
agora é casa de amigos, os quais me desafiaram a pernoitar naquele lugar onde
todas as noites uma nuvem enorme, gorda, pachorrenta, vem reinventar o
nevoeiro.
Pouco
tempo decorrido, integrado num grupo de congressistas, visitei pela primeira
vez o convento dos Capuchos da Arrábida e as férias de Setembro, foram na
mágica Alpedrinha, confraternizando com alguns seres muito especiais: pessoas
queridas, como a Maria dos Anjos, a Melisa, o Francisco…e o gatito cego, sempre
ao meu lado, mais a Maggie e a Ziva. Animais quase humanos, todos
privilegiados, por viverem entre melros e cerejeiras, num cenário onde o
património urbano é de granito elegante e o silêncio cheira a figo.
Pelos
caminhos do Mundo pastoreei sílabas e silêncios. E adorava ser tão simples
quanto este livro, ou os gatos e a cadela das minhas férias de fim de Verão e
início de Outono, na pensão Clara, donde se avista Monsanto, talvez Espanha…
Mas
esta travessia de seis décadas teve tudo menos simplicidade.
O
percurso de um ser humano, possui uma complexidade que estes versos abordam,
perspectivando o balanço do tempo percorrido até chegar aqui e do que é
necessário empreender para atingir a paz interior, o despojamento, que tanta
gente procura na religião ou nos exercícios meditativos.
A
respiração destas palavras, a busca da musicalidade é a forma que concebo e
gosto de fruir, para me sentir mais perto da terra, nesta vagabundagem entre o
ar serrano e a luz única deste sul.
A
partilha torna a ser feita, quatro anos depois de “Cadernos de Areia”. A
Tunísia desses textos, paraíso de oásis e inspiração poética, onde um dia
pensei passar parte da minha velhice, foi sacudida por um terramoto político,
precipitado por uns indivíduos ditos moderados, que só pensam em retirar
direitos às mulheres, conquistados há meio século, gerando conflitualidades permanentes.
Entre
nós, caíram pedregulhos, na curva apertada da nossa caminhada colectiva e o
Poeta, que é um homem comum, o “homem invisível” de Neruda, não pode
abstrair-se dos sinais tremendos que o rodeiam.
O meu
lugar tem sido na rua do descontentamento. Tenho participado, mostrando a minha
indignação, sei que a liberdade, pela fragilidade da sua generosa essência,
corre sempre muitos riscos e que os ladrões de sonhos são insaciáveis e não
sossegam, idealizando-nos espoliados de direitos e do prazer de existir.
Recuso-me
a ficar refém dos ditames dos tiranos, a minha resposta é sonhar o sonho mais
subversivo, lutando contra a apatia, enfrentando a opressão com a Poesia.
Concretizar
sonhos é, desde há muito, o meu lema de vida, sejam viagens (Este Verão, de
Monchique a Évora, de Montejunto a Viana do Castelo e de Odeceixe à Gardunha,
não fiquei um único fim de semana em casa), ou livros, como esta
“Transumância”, que partilho, como quem solta asas, repetindo-vos o que, num
Outono já distante, Cunhal me escreveu, agradecendo-me “Os Pastores do Sol”:
“Vale a pena sonhar, vale a pena ser poeta!”
Lisboa,
18-10-2012
Luís
Filipe Maçarico
Fotos de JRS e RB.
2 comentários:
Vale sempre a pena ser poeta, não um qualquer TU! Pessoa que admiro por isso mesmo. A tua pureza na escrita, sensibilidade,suavidade e frontalidade. A grande diferença entre quem é e os outros. Entre quem vê, sente, sonha, ama o próximo e faz-nos sentir pessoa.
Num tempo em que se reduz tudo e todos, tu és um oásis. Grata por seres meu amigo. Continua, nós os que te gostamos, contigo estaremos, em qualquer lugar. Bem hajas, por nos mostrares um outro mundo!
Foi um prazer ler e ver o amigo roseado de amigos. Vale a pena ser assim como tu.
Um abraço amigo
Céu
Enviar um comentário