Viver sempre também cansa
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
Ora é azul, nitidamente azul,
Ora é cinzento, quase verde
Mas nunca tem a cor inesperada
O mundo não se modifica
As árvores dão flores
Folhas, frutos e pássaros
Como máquinas verdes
As paisagens também não se transformam,
Não cai neve vermelha
Não há flores vermelhas que voem
A lua não tem olhos
E ninguém vai pintar olhos à lua
Tudo é igual, mecânico e exacto
Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem, riem e digerem.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
Discursos de Mussolini
Guerras, orgulhos em transe,
Automóveis na corrida.
Pois não era mais humano
Morrer por bocadinho,
De vez em quando,
E recomeçar depois,
Achando tudo mais novo?
Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
Morrer em cima de um divã
Com a cabeça sobre uma almofada,
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia,
“ Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela”
E virias depois, suavemente,
Velar por mim, subtil e cuidadosa
Pé ante pé, não fosses acordar
A Morte ainda menina no meu colo.
José Gomes Ferreira
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