"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, junho 13, 2008

Ana Machado


No blogue Anthropos, Ana Machado escreveu o artigo que trancrevemos:

"Vivemos a euforia do Euro 2008 como um antídoto para a nossa depressão colectiva, o nosso desânimo e apatia geral. Investimos todas as nossas esperanças em Ronaldo, Deco, Quaresma, Simão ou Nuno Gomes. Rimos e gritamos para não chorar… Na verdade, se não fosse esta espécie de anestesia que tomamos durante umas horas, já nos teríamos apercebido melhor dos dias difíceis que estamos a viver. Há muitos anos que não me lembro de uma situação como esta dos combustíveis, se é que alguma vez assisti ao que pude observar hoje. Talvez a minha lembrança mais antiga de tempos difíceis economicamente seja a de inícios dos anos 80, quando os meus pais me mandavam ir às 8h da manhã, para a fila do supermercado para comprar leite, porque havia uma crise no sector que fez racionar o número de pacotes que cada cliente devia levar.
Hoje depois da euforia, depois do contentamento da vitória, daquele jogo que me fez ficar pregada ao ecrã, num café do Seixal, confesso que só me apeteceu chorar no regresso a casa, pois não me apercebera bem do que se passava à minha volta. Nas ruas, os carros amontoavam-se, celebravam a vitória de Portugal, agitavam bandeiras e espalhavam gritos ruidosos, mas muitos, acumulavam-se também em extensas filas junto às gasolineiras, gerando o caos e um trânsito compacto de alguns quilómetros. Quando cheguei à Cova da Piedade, tive a sensação que a fila de autocarros que se via, já se estendia até Cacilhas.
Não bastante, e porque já estava a ficar preocupada com a situação, meti-me no primeiro supermercado que encontrei e aí assustei-me mesmo, porque não encontrei quase nada do que pretendia, a maior parte das prateleiras encontravam-se vazias, nem pão, nem leite, nem iogurtes, nem legumes, nem fruta… Que desolação! As pessoas passavam pelas secções de olhos fitos nas prateleiras, incrédulas do que se estava a passar. Uma delas virou-se para mim e disse: «Nem acredito que estou a viver isto…Agora rio-me, mas hoje já chorei muito à procura de combustível, não tinha nada na reserva e não sabia o que fazer…»
Perante este cenário, eu espero que o governo ponha fim a isto rapidamente, sem arrogância, nem violência, e não deixe os portugueses mais prejudicados do que já estão com esta crise moribunda que nos aniquila há anos… Se isto evoluir, nem quero pensar nas consequências, pois tudo isto é uma bola de neve, afectando todos os quadrantes.
Uma coisa parece-me certa, é que é em situações como estas, muito ligeiras ainda é certo, que nos apercebemos como temos uma vida facilitada perante outros povos que vivem em pobreza extrema, fome e bancarrota. Que dias melhores venham!"
Texto: Ana Machado; Foto: LFM

2 comentários:

marialascas disse...

Li e não consegui deixar de pensar em tantos lugares de Mundo onde a fome reina todos os dias...
Aí sim, a situação carece de imediata intervenção. Para mim a questão dos combustíveis mexe também muitas outras realidades ficam esquecidas, como por exemplo a das pessoas que vivem vão à escola e trabalham fora dos lugares em que existe uma rede de transportes públicos... Familias que estão a apertar o estomâgo por falta de dinheiro para a gasolina, para a subida dos preços, para a subida do empréstimo...

maria sousa disse...

Por este caminho não espero nada, nem deste governo (nem dos outros).
É só ver como os campeões da democracia fugiram ao referendo do TL e as pressões sobre a Irlanda...
Quem sabe faz a hora!