"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, dezembro 23, 2025

EDITORIAL da revista Aldraba nº 38

 


 

Ao longo de duas décadas, a Aldraba, enquanto Associação do Espaço e Património Popular realizou Encontros em torno de valores patrimoniais de diversos concelhos do Centro (Idanha-a-Nova, Fundão) até ao Sul (Loulé, Mértola). Esta revista espelhou durante 38 números, numa edição semestral, esses eventos e muita temática relacionada. Com as suas páginas abertas a autodidatas, académicos, associados e amigos, divulgámos artigos acerca da gastronomia, doçaria, territórios como o Couto Misto, práticas e ofícios onde se inserem Moinhos, Chafarizes, Aldeias de Xisto ou paisagens naturais, que são identitárias.

A nossa ida a locais como Querença, Castro Marim, Pias, Moura, Alenquer, Alpedrinha, Póvoa de Atalaia, Fundão, Souto da Casa, Salvaterra do Extremo, Vilarelhos, etc. deixou rasto. Ficou a revista, ficou o nosso compromisso na salvaguarda do saber-fazer, também com os dois cadernos temáticos editados sobre aldrabas e batentes de porta e cataventos do concelho de Moura.

A participação em manifestações culturais como o Encontro transfronteiriço de Poesia, Património e Arte de Vanguarda em meio rural que se efectua no final de Julho, em Alfândega da Fé ou a Festa dos Chocalhos no 3º fim de semana de Setembro, em Alpedrinha, onde recentemente participámos na iniciativa “Ecos dos Chocalhos”, amplia- pela divulgação da nossa revista – a mensagem que desde a fundação pretendemos partilhar.

A vida colectiva está ferida de amnésia. O património sofre atentados, como há poucos meses sucedeu no Ginjal (Almada). Terraplanando a memória de Romeu Correia e Columbano Bordalo Pinheiro, ali nascidos. Há alguns anos, o Palácio do Barão de Quintela, no Chiado, viu surgirem seis comedouros para turistas. A CML teve pudor em colocar um marco, assinalando que na 1ª Invasão Napoleónica, Junot alojou-se ali, “comendo à grande e à francesa”, ficando “a ver navios”…

Chegámos a 2025 mais pobres. Uma parte das lojas tradicionais foram sendo abatidas com rendas incomportáveis, devido à gentrificação que prejudicou bastante outras cidades europeias (Barcelona, Veneza, Dubrovnik).

Centenas de baiúcas emergiram como cogumelos na zona histórica, vendendo o mesmo; águas, cachecóis, souvenirs de cortiça irrelevantes e ímans para frigoríficos, servindo um turismo de “pé descalço”, que vem desalvorado aos milhares por dia, em navios de cruzeiro.

A Aldraba continua a obra iniciada em 25 de Abril de 2005 e desenvolvida por voluntários inesquecíveis, que entretanto partiram pela lei natural da existência. Seguiremos os seus ensinamentos e valores de cidadania, com a vontade de fazer sempre bem e melhor.

Luís Filipe Maçarico

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