"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, dezembro 23, 2025

à Gastronomia Alentejana - Artigo escrito para uma revista do Alentejo

Galopim de Carvalho, um dos autores citado no artigo e incluído nas Referèncias Bibliográficas


A gastronomia alentejana é um prodígio alimentar, com característica mediterrânica, reforçado pelas consequências da míngua, que os trabalhadores da terra suportaram, recorrendo às ervas para elaborar ementas tão criativas e saborosas. 

Em "Para Uma História da Alimentação no Alentejo", Alfredo Saramago escreveu que "Os alentejanos e os seus antepassados forjaram-se através de uma luta multissecular com a natureza.(1) Este autor defende "O direito ao prazer, porque é de prazer que se trata quando se fala de paladares e aromas na história da alimentação do Alentejo."(2) 

Em "Alentejanando" Joaquim Pulga diz que "A escassez de recursos e a simplicidade dos paladares estiveram na génese" do "pão mergulhado em caldo aromatizado e temperado com azeite (...) A açorda atravessou culturas." (3) 

Em "Com Poejos e outras ervas" Galopim de Carvalho cita Monarca Pinheiro que afirmou ser a comida do povo alentejano "frustração sublimada em invenção. Com as migalhas que lhe couberam, soube inventar uma cultura de eleição, e esta é, talvez, a sua maior glória. Do pouco fez muito e bem." (4) O geólogo afiança que "Fazer sopas de pão deve ter começado por ser um acto de elementar economia."(5)

 Aníbal Falcato Alves destaca: "No tempo da fome, que foi o tempo do fascismo no Alentejo, a açorda era o alimento quase exclusivo dos trabalhadores alentejanos durante os meses de Inverno. No Verão, a açorda era substituída pelo gaspacho."(6) Este investi9gador da importância do aspecto social dos comeres dos trabalhadores alentejanos, no final da obra explica como eram (são) cozinhadas algumas das ervas que os alentejanos foram obrigados a aprender a comer: Cunetas- esparregado; Alabaças- esparregado, com grão, com feijão; Acelgas- idem; Arrabaças- com feijão; Saramagos-com feijão; Espargos-com miolos, sopa, omelete; Cardinhos- com feijão, cozido com grão, sopa de molho de cação; Oregãos e poejos- temperar (7) 

O já citado Alfredo Saramago assegura que "A alimentação constituiu no Alentejo um factor de aglutinação e não de divisão." (8). Este autor sublinha que no sul transtagano a alimentação "nunca perdeu identidade."(9) e no seu tratado, onde assinala as diversas etapas da "História da Alimentação no Alentejo" fala na comida decorrente das culturas fenícias, celtas, romanas, visigóticas e muçulmanas. Percorre ainda, cronologicamente, o tempo da Idade Média, a alimentação dos judeus e a influência da cozinha conventual. Segue-se a referência detalhada ao Pão, ao Azeite, ao Vinho, ao Porco e à Caça, abordando ainda a Vinha, o Olival, o Gado, a Horta, o Mel, o Tomate e Feijão, entre outros alimentos, ao longo dos séculos. 
A cozinha alentejana é única, garantindo a inclusão das ervas aromáticas que coroaram esta gastronomia, pela necessidade do povo em enriquecer com aromas variados a escassez de recursos. Mulheres e homens, obreiros anónimos desta sublime criação, herdaram uma história milenar partilhada na comunidade identitária onde nos inserimos. 

Em artigo (que inclui um inquérito aos entrevistados) a ser publicado na revista Callípole de Vila Viçosa, há indícios que apontam para a gastronomia alentejana necessitar de medidas para que não se perca a qualidade e o genuíno que relatámos. Fruto de alguma indiferença e da cedência a uma juventude alheia à tradição, aparece na restauração local o facilitismo que subverte os valores dos nossos ancestrais. Aqui fica o reparo para que haja por parte das autarquias e do turismo, o acompanhamento e estímulo que a gastronomia alentejana merece. 

Novembro de 2025 Luís Filipe Maçarico 
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Notas: (1) Op. Cit. p. 10. (2) Ibidem, p. 241. (3) Op. Cit. p.92. (4) op. Cit. p. 57. (5) "Açordas, Migas e Conversas", p.38. (6) "As Comidas dos Ganhões Memória de outros sabores", p. 17. (7) Op. Cit. p. 128. (8) "Para Uma História da Alimentação no Alentejo", p. 237 (9) Ibidem, p. 240. 

Referências Bibliográficas 

ALVES, Aníbal Falcato "Os comeres dos Ganhões Memória de outros sabores", Campo das Letras, Porto, 1994 
CARVALHO, A. M. Galopim de "Açordas, Migas e Conversas", Âncora, Lisboa, 2018 
------------------------------------------ "...Com Poejos e Outras Ervas", Âncora, Lisboa, 2001 
PULGA, Joaquim "Alentejanando Estórias e Sabores", Casa do Sul, Évora, 2ª ed. 2002 
SARAMAGO, Alfredo "Para Uma História da Alimentação no Alentejo", Assírio & Alvim, Lisboa, 1997.

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