A gastronomia alentejana é um prodígio alimentar, com característica
mediterrânica, reforçado pelas consequências da míngua, que os trabalhadores da
terra suportaram, recorrendo às ervas para elaborar ementas tão criativas e
saborosas.
Em "Para Uma História da Alimentação no Alentejo", Alfredo Saramago
escreveu que "Os alentejanos e os seus antepassados forjaram-se através de uma
luta multissecular com a natureza.(1) Este autor defende "O direito ao prazer,
porque é de prazer que se trata quando se fala de paladares e aromas na história
da alimentação do Alentejo."(2)
Em "Alentejanando" Joaquim Pulga diz que "A
escassez de recursos e a simplicidade dos paladares estiveram na génese" do "pão
mergulhado em caldo aromatizado e temperado com azeite (...) A açorda atravessou
culturas." (3)
Em "Com Poejos e outras ervas" Galopim de Carvalho cita Monarca
Pinheiro que afirmou ser a comida do povo alentejano "frustração sublimada em
invenção. Com as migalhas que lhe couberam, soube inventar uma cultura de
eleição, e esta é, talvez, a sua maior glória. Do pouco fez muito e bem." (4) O
geólogo afiança que "Fazer sopas de pão deve ter começado por ser um acto de
elementar economia."(5)
Aníbal Falcato Alves destaca: "No tempo da fome, que foi
o tempo do fascismo no Alentejo, a açorda era o alimento quase exclusivo dos
trabalhadores alentejanos durante os meses de Inverno. No Verão, a açorda era
substituída pelo gaspacho."(6) Este investi9gador da importância do aspecto
social dos comeres dos trabalhadores alentejanos, no final da obra explica como
eram (são) cozinhadas algumas das ervas que os alentejanos foram obrigados a
aprender a comer: Cunetas- esparregado; Alabaças- esparregado, com grão, com
feijão; Acelgas- idem; Arrabaças- com feijão; Saramagos-com feijão; Espargos-com
miolos, sopa, omelete; Cardinhos- com feijão, cozido com grão, sopa de molho de
cação; Oregãos e poejos- temperar (7)
O já citado Alfredo Saramago assegura que
"A alimentação constituiu no Alentejo um factor de aglutinação e não de
divisão." (8). Este autor sublinha que no sul transtagano a alimentação "nunca
perdeu identidade."(9) e no seu tratado, onde assinala as diversas etapas da
"História da Alimentação no Alentejo" fala na comida decorrente das culturas
fenícias, celtas, romanas, visigóticas e muçulmanas. Percorre ainda,
cronologicamente, o tempo da Idade Média, a alimentação dos judeus e a
influência da cozinha conventual. Segue-se a referência detalhada ao Pão, ao
Azeite, ao Vinho, ao Porco e à Caça, abordando ainda a Vinha, o Olival, o Gado,
a Horta, o Mel, o Tomate e Feijão, entre outros alimentos, ao longo dos séculos.
A cozinha alentejana é única, garantindo a inclusão das ervas aromáticas que
coroaram esta gastronomia, pela necessidade do povo em enriquecer com aromas
variados a escassez de recursos. Mulheres e homens, obreiros anónimos desta
sublime criação, herdaram uma história milenar partilhada na comunidade
identitária onde nos inserimos.
Em artigo (que inclui um inquérito aos
entrevistados) a ser publicado na revista Callípole de Vila Viçosa, há indícios
que apontam para a gastronomia alentejana necessitar de medidas para que não se
perca a qualidade e o genuíno que relatámos. Fruto de alguma indiferença e da
cedência a uma juventude alheia à tradição, aparece na restauração local o
facilitismo que subverte os valores dos nossos ancestrais. Aqui fica o reparo
para que haja por parte das autarquias e do turismo, o acompanhamento e estímulo
que a gastronomia alentejana merece.
Novembro de 2025 Luís Filipe Maçarico
~
Notas: (1) Op. Cit. p. 10. (2) Ibidem, p. 241. (3) Op. Cit. p.92. (4) op. Cit.
p. 57. (5) "Açordas, Migas e Conversas", p.38. (6) "As Comidas dos Ganhões
Memória de outros sabores", p. 17. (7) Op. Cit. p. 128. (8) "Para Uma História
da Alimentação no Alentejo", p. 237 (9) Ibidem, p. 240.
Referências
Bibliográficas
ALVES, Aníbal Falcato "Os comeres dos Ganhões Memória de outros
sabores", Campo das Letras, Porto, 1994
CARVALHO, A. M. Galopim de "Açordas,
Migas e Conversas", Âncora, Lisboa, 2018
------------------------------------------ "...Com Poejos e Outras Ervas",
Âncora, Lisboa, 2001
PULGA, Joaquim "Alentejanando Estórias e Sabores", Casa do
Sul, Évora, 2ª ed. 2002
SARAMAGO, Alfredo "Para Uma História da Alimentação no
Alentejo", Assírio & Alvim, Lisboa, 1997.
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