"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, junho 19, 2022

“FEIJÓ, MEU LINDO FEIJÓ”, DE ANA DURÃO MACHADO. O CANTE EM ALMADA.

 







Ana Durão Machado, a autora do estudo marcante “Feijó, Meu Lindo Feijó”, é um ser humano que se rege pela ética, desempenhando com grande eficácia as suas investigações.

Antropóloga de formação, quando deu aulas em Cercal do Alentejo, deixou um precioso rasto, publicando dois trabalhos sobre antigas profissões locais: Barbeiros, Alfaiates e Costureiras, descrevendo com minúcia e rigor os pormenores e testemunhos de cada um desses ofícios.

Participou em inúmeros fóruns, partilhando os seus conhecimentos, sempre em reformulação, privilegiando a qualidade da sua observação-participante, cujas recolhas mereceram um tratamento quase laboratorial, reflectindo e expondo as problemáticas, sugerindo propostas de promoção para um património sobre o qual foi especializando o seu olhar, actualizando contextos.

 

Saúdo particularmente na pessoa do Professor Luís Palma, a União de freguesias que dirige, pelo apoio concedido à edição deste livro.´

O acompanhamento assíduo do Grupo “Amigos do Alentejo”, dos seus cantadores e familiares, a abordagem das diversas vertentes que um colectivo tão rico oferecia, das profissões dos elementos à vida familiar, as deslocações e respectivas actuações é evidenciado na sua tese de Mestrado, ponto de partida para este estudo…

 

Participei em diversas iniciativas do Grupo, então dirigido por Joaquim Afonso, e constatei o carinho a estima que aqueles alentejanos dedicavam à autora, pois o seu respeito resultava também da percepção da importância do seu trabalho, pelo retrato autêntico desta História do Encontro e Criatividade de homens e mulheres que recriaram em Almada as suas tradições, perpetuando a Identidade, trazida na alma e na pegada.

Enquadrando com bibliografia adequada, fruto de uma pesquisa extensiva, a sua escrita clara, bem alicerçada, enquanto cientista social atenta, neste livro, Ana Durão Machado procura chegar a um público alargado, designadamente à geração do Cante na diáspora.

A sua dissertação que tive o privilégio de ler, é a base da maioria destas páginas, que não perdem cientificidade por serem mais acessíveis a leitores não académicos.

O mérito de “Feijó, Meu Lindo Feijó” é a revisitação dos meses que a autora vivenciou, recolhendo o maior número de vozes e dados, para construir a obra, que será sempre uma referência para quem deseje abordar a caminhada do Cante fora do Alentejo.

 

O relacionamento social entre alentejanos, ao estabelecerem-se na margem sul, o alojamento, o associativismo, a criação e caracterização do Grupo Coral e Etnográfico, os conflitos e a importância do colectivo, as prácticas festivas, as modas trazidas e criadas na nova morada e os trajes, são alguns dos assuntos abordados.

 

Ao trabalho inicial, Ana Machado acrescenta a revisitação, após duas décadas da recolha inicial.

Agora com 25 cantadores, ensaiando ainda no Clube Recreativo do Feijó, o Grupo autonomizou-se, passando a ser uma Associação apenas com 70 associados, recebendo 500 euros anuais de quotização, o que limita a sua acção.

A doença, a morte e o envelhecimento dos seus elementos, cuja maioria é de Serpa e Moura, influencia a evolução do Grupo.

Todavia e como diz Ana Machado “o elemento cultural performativo” que o Cante constitui, continua a ser uma prática de busca da genuinidade das raízes.

“Os Amigos do Alentejo” continuam a atrair os alentejanos da Área Metropolitana de Lisboa.

 

Contudo, os mais novos não reproduzem a pertença dos migrantes antigos nem apreciam o Cante, pondo em causa a sobrevivência desta tradição.

Por isso, este registo actualizado eterniza décadas inesquecíveis de criatividade, amor à terra e união de gente que partilha um valor maior: A Singular Identidade que agrega diferenças, superando o Individualismo.

 

Parabéns, Ana Machado pelo teu contributo em relação ao qual não encontro paralelo, pois é muito completo, prolongando-se ao longo de mais de duas décadas, revisitando aquele colectivo, acrescentando as alterações que o desgaste do tempo vai consumando…

É um grande prazer ler a tua escrita, saborear a sabedoria que a honestidade dos teus textos contém.

Costumo dizer que os Antropólogos ficam valorizados, quando um trabalho de excelência se apresenta para fruição da Comunidade.

É o teu caso, por isso te agradeço a honra que tenho em estar hoje ao teu lado.

Bem Hajas!

 

13-5-2021

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

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