"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, julho 04, 2018

O MEU OLHAR SOBRE O ALENTEJO ACTUAL


O MEU OLHAR SOBRE O ALENTEJO ACTUAL [Artigo de minha autoria, publicado na revista "Alentejo", nº 43, pp. 32-33] 
Nos últimos anos, e ao longo de diversas deslocações a Aljustrel, Beja, Castro Verde, Mértola, Serpa, tenho constatado que o Alentejo que conhecemos e nos empolgou, pela energia que durante décadas teve destaque na comunicação social, está ficando envelhecido e sem massa crítica, enquanto problemas graves começam a evidenciar-se.
Para não serem acusados de contribuir para o desemprego, muitos cidadãos calam-se, face às poeiras perigosas que uma importante mina provoca, com metodologias de extracção agressivas para a saúde da Natureza e do Ser Humano.
A implementação intensiva da monocultura do olival, segundo a imprensa, mata a diversidade, pela opção (não contrariada) do uso de produtos bastante poluentes [pesticidas]. Ouvimos dizer que “o cancro vai subir em flecha”, escutando há anos opiniões veladas ditas em recato para evitar consequências.
É com apreensão que se assiste (de novo) ao enfraquecimento da presença do comboio entre Casa Branca e Beja (após a extinção, ao longo dos últimos anos, de alguns ramais).
A apatia da maioria contrasta com o Alentejo de há quatro décadas, onde uma geração “levantada do chão” exigia uma vida melhor, para os camponeses, tendo uma palavra a dizer acerca das decisões políticas. Foi o tempo de assistirmos a eloquentes intervenções de deputados, cuja origem era o operariado agrícola dos campos do sul, viveiro revolucionário de um sol que afinal foi de pouca duração, pois como dizem pessoas avisadas, nada é garantido para sempre…
As gerações seguintes escolheram o individualismo e o fechamento face às constantes transformações de um mundo competitivo e impiedoso, onde a opção do isolamento é demonstração de grande fraqueza anti-social.
Há uma nuvem de desencanto, que paira sobre o belo território que Escritores e Músicos celebraram nos seus textos poéticos ou nas suas melodias.
Fez-se Alqueva, porém os beneficiários portugueses não são tantos, quanto se desejou [uma parte faleceu na longa espera, outros venderam os torrões que receberam em herança].
No litoral alentejano, a semelhança com o Algarve da especulação imobiliária e da turistificação, é notória.
A Job Squad [trabalho temporário] minou as relações laborais. Para as estufas falhadas do litoral de Odemira vieram asiáticos de várias proveniências e marroquinos, assistindo os alentejanos à degradação da esperança.
A leitura diminuiu e quem lê (transversal a todo o país, havendo notícias do fecho de livrarias nas cidades) nem sempre sabe ler e reflectir. A Sabedoria desvanece…
O horizonte de searas desmedidas - tão emblemático, na nostalgia do Cante, deu lugar a outra coisa…
Há ainda pão, migas, açorda, coentros, linguiça, chourição, queijos, azeite, vinho, porém tais alimentos serão mais usados na vida doméstica, pois apenas uma parte chega aos restaurantes, onde começam a rarear os pratos regionais.
Efectivamente, desfrutar uma refeição em Chaves, Coimbra, Faro ou Moura, começa a ter o formato que as metrópoles oferecem a gente apressada (e muito inculta em termos gastronómicos).
Respondem-nos que quem vai ao restaurante, vai à procura de comida diferente daquela que prepara e consome no lar. As batatas fritas (que na sua maioria deixaram de ser caseiras) são provenientes de pacotes congelados com o produto pré-preparado… Acompanham bitoques e afins.
Resta aos turistas consultarem as receitas na Internet ou em livro e experimentar em casa, pois tanto se pode comer secretos no Fundão, como no Baixo Alentejo, com as internacionais “chips”…famosas da Bélgica a Elvas…
A mesma batata frita que já comemos, a caminho das Festas de Campo Maior, com cação!
A globalização há anos que faz no património gastronómico alentejano, o efeito do vento nas falésias…
Muitas das digressões foram realizadas na companhia de uma colega antropóloga, descendente de uma família de Serpa, que em quase 90 % dos locais visitados torceu o nariz, em relação aos usos e costumes gastronómicos, outrora genuínos, em vias de extinção, por ignorância e comodismo.
Precisamente em Serpa, comemos recentemente uma espécie de caldeirada, que nos foi apresentada como caldo de peixe, em recipiente de vidro (pirex), em vez do tradicional barro.
Os festivais gastronómicos que se realizam em concelhos alentejanos deverão ser estimulados e nos júris que procedem à avaliação dos ingredientes e sabores de antanho, terão de incluir conhecedores, que possam valorizar a qualidade da confecção de iguarias onde cintile a tradição e o bom gosto.
Para que o Alentejo não seja confundido com outra região.
Para que a diferença substancial desta comida, tão celebrada por Alfredo Saramago, Aníbal Falcato Alves, Galopim de Carvalho, Joaquim Pulga e Monarca Pinheiro, seja digna do património imaterial que consubstancia, - a incentivar vivamente para que não se perca o que é tão nosso.
Na era do plástico, em que o turista prefere a imitação ao original, como registou Jorge Dias, será - em nossa opinião - aconselhável mudar o rumo leviano, medíocre, quiçá banal, replicado em inúmeros comedouros, para a alimentação identitária ser reencontrada pelo visitante português ou estrangeiro, recomendando-se às autarquias a promoção prioritária desse espaço de salvaguarda de uma região singular, cujos atractivos não podem reduzir-se aos monumentos e evocações históricas.
O futuro terá de ter em conta uma das componentes mais recomendáveis: a legítima, deliciosa e marcante gastronomia alentejana.
Luís Filipe Maçarico
Antropólogo

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