Da janela do sótão dos criados, a velha
que acudiu a cinco gerações, espreita o tempo e deita o olhar no Douro
serpentilíneo que o patrão escritor cantou.
Saudades tem desse senhor, que comprava tabaco para os jornadeiros dos vinhedos, a gastar a vida nos socalcos.
Saudades das falas brandas, do doutor de leis, que amou várias meninas vistosas e repartia a mesa com os servidores.
Elvira
é um sol gasto de músculos e gestos tolhidos por geadas e sóis, que
moldaram um rosto ainda enluarado por lágrimas de ternura, pois no lugar
do coração tem uma fonte de mel.
Elvira,
nascida nestes socalcos de xisto, espera os viajantes, incautos, que
pretendem conhecer a casa recuperada e inaugurada com pompa.
As
primeiras palavras destinam-se a espantar os curiosos. Que não, que
durou um dia a abertura da casa a um público seleccionado, com exposição
de objectos, retratos, móveis e livros, como aquele "Evasão", onde o
homem de teres e haveres pergunta à maneira de Brecht, quem construiu as
casas, as pontes, quem trabalhou a terra para o rico ter sustento sem
esforço e poder para mandar.
É uma mulher da terra, sequinha de talhe mas ainda escorreita no andar.
O
mundo de Elvira, é aquela casa, com caramachão romântico enredado em
arbustos e árvores e lago com peixes, por onde crianças e jovens devem
ter solto gargalhadas e brincado muito.
Os
seus olhos viram um corropio de personagens, as suas mãos pentearam
meninos e donzelas, trouxeram meninos ao colo, ampararam anciãos,
cumprimentaram visitas de gabarito.
Naquele
local, onde - no dizer de uma escritora que também por lá viveu - a
casa, parece um barco encalhado, Elvira, com os seus olhos de eterna mãe
protectora, é uma página viva de Literatura, entre couves e vinhas,
corredores, quartos e salões, memórias e esquecimentos...
Ao longe, o seu sorriso, diz-nos adeus...
Luís Filipe Maçarico
Luís Filipe Maçarico
5 comentários:
Um excelente texto muito bem enquadrado pelas maravilhosas paisagens.
Um abraço e uma boa semana
Maravilhoso olhar. A rude vida da Elvira e de muitas Elviras da nossa terra. Douro sempre sempre presente na vida difícil dos socalcos. A admiração pelo senhor, os meninos que lhe passaram pelo colo. Um feitiço feito Poema, como tu tão bem nos mostras. Bem hajas pela partilha. Grande abraço
No largo da minha rua
há barcos
que se não ajoelham
Abraço poeta
belo!...
Lindo texto! Ilustrativo das vivenciais não muito longínquas, nessa bela Região, Património Mundial, construído pelo Homem!
Enviar um comentário