"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, março 10, 2014

NO AUTOCARRO ALCÂNTARA- RATO




 
Na paragem do autocarro, aguardava o 773, que me levaria, sete paragens depois, à Rua de Sant’Ana à Lapa, onde a minha correspondência fica retida – a meu pedido – após o encerramento do posto dos CTT das Necessidades, perto da residência, onde habito desde tenra idade…

Uma mulher cinzenta, com rabo de cavalo, sentou-se no banco da paragem, provocando com o cigarro que acendeu, a fuga de pessoas que também aguardavam o autocarro. Chegara depois de mim, mas mal o 773 apareceu, a mulher encostou a barriga junto à porta, para entrar.

Delicadamente, com a mão direita, avancei rente ao ventre da criatura e disse-lhe baixinho: “Peço desculpa, mas é por uma questão de respeito…estou primeiro!”
A saraivada de imprecações não se fez esperar e desabou sobre mim uma colecção de insultos, perante a passividade e conivência dos outros passageiros, o que me surpreendeu.

Aos berros, como se fosse uma matraca, bradou: “Estes filhos da puta destes velhos, andam à fossanga dos lugares…espero que morras primeiro de mim, que já estás a mais, e oxalá partas os cornos, quando saíres do autocarro!”

Então, limitei-me a comentar: “Vejo que a senhora é muito bem educada!”

Novo tsunami de impropérios: “Para falares comigo, tens de vestir saias!... olha-me para este, nem o meu marido, nem o meu pai!!! Vem uma pessoa cansada do trabalho e este gajo a chagar-me a cabeça…Deves levar porrada da tua mulher e vens marrar comigo…Estes bem vestidos têm a mania que o mundo é deles!”

Chafurdando no dislate, repisando, invertendo, comparando a minha atitude com a de alguns velhotes nos transportes públicos, que quase voam, como se não houvesse amanhã, para se apoderarem do melhor lugar, estava à vista de todos, na própria contradição da mulher, que abancara num lugar reservado para cidadãos com mobilidade reduzida: deficientes, velhos, grávidas…e ao longo do percurso entraram duas velhotas com mais de setenta anos e três mães com filhos pequenos.

Discretamente, chamei uma das idosas, convidando-a a ocupar o lugar vazio, ao meu lado.
À saída da mulher cinzenta, contei à senhora o que me sucedera e a reacção tranquila, foi curiosa:
“Não se enerve, sabe…as palavras têm retorno e tudo o que lhe foi desejado, vai cair em cima dela.”

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)

3 comentários:

Mar Arável disse...

Na verdade

Mar Arável disse...

Na verdade

isabel mendes ferreira disse...

Mt bom o texto. Aliás a tua marca.

Beijo.