Na
paragem do autocarro, aguardava o 773, que me levaria, sete paragens depois, à
Rua de Sant’Ana à Lapa, onde a minha correspondência fica retida – a meu pedido
– após o encerramento do posto dos CTT das Necessidades, perto da residência,
onde habito desde tenra idade…
Uma
mulher cinzenta, com rabo de cavalo, sentou-se no banco da paragem, provocando
com o cigarro que acendeu, a fuga de pessoas que também aguardavam o autocarro.
Chegara depois de mim, mas mal o 773 apareceu, a mulher encostou a barriga
junto à porta, para entrar.
Delicadamente,
com a mão direita, avancei rente ao ventre da criatura e disse-lhe baixinho:
“Peço desculpa, mas é por uma questão de respeito…estou primeiro!”
A
saraivada de imprecações não se fez esperar e desabou sobre mim uma colecção de
insultos, perante a passividade e conivência dos outros passageiros, o que me
surpreendeu.
Aos
berros, como se fosse uma matraca, bradou: “Estes filhos da puta destes velhos,
andam à fossanga dos lugares…espero que morras primeiro de mim, que já estás a
mais, e oxalá partas os cornos, quando saíres do autocarro!”
Então,
limitei-me a comentar: “Vejo que a senhora é muito bem educada!”
Novo
tsunami de impropérios: “Para falares comigo, tens de vestir saias!... olha-me
para este, nem o meu marido, nem o meu pai!!! Vem uma pessoa cansada do
trabalho e este gajo a chagar-me a cabeça…Deves levar porrada da tua mulher e
vens marrar comigo…Estes bem vestidos têm a mania que o mundo é deles!”
Chafurdando
no dislate, repisando, invertendo, comparando a minha atitude com a de alguns
velhotes nos transportes públicos, que quase voam, como se não houvesse amanhã,
para se apoderarem do melhor lugar, estava à vista de todos, na própria
contradição da mulher, que abancara num lugar reservado para cidadãos com
mobilidade reduzida: deficientes, velhos, grávidas…e ao longo do percurso
entraram duas velhotas com mais de setenta anos e três mães com filhos
pequenos.
Discretamente,
chamei uma das idosas, convidando-a a ocupar o lugar vazio, ao meu lado.
À
saída da mulher cinzenta, contei à senhora o que me sucedera e a reacção
tranquila, foi curiosa:
“Não
se enerve, sabe…as palavras têm retorno e tudo o que lhe foi desejado, vai cair
em cima dela.”
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)
3 comentários:
Na verdade
Na verdade
Mt bom o texto. Aliás a tua marca.
Beijo.
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