"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Quando a Gula Não Tem Freio

 

Independentemente do aquecimento global, dos gelos polares que se derretem, que só por si já são consequências da nociva acção humana, aqui e à escala local, construíu-se sobre dunas, rente ao mar, para que os locatários tivessem a visão plena, para que a clientela de restaurantes e cafés comesse com a maresia entranhada, no peixe fresco grelhado, e as contas bancárias de alguns senhores, engordassem, à custa do que se perde, quando a gula não tem freio...
A livre iniciativa, menina dos olhos da Sociedade Capitalista, foi concretizada até ao tutano...

As carpideiras de serviço, andam agora em procissão mediática, a zurzir, disparando em todas as direcções, menos na dos que violaram legislação e, durante anos, mamaram na teta do regabofe dito democrático.

Não é com satisfação que vejo o mar destruir, avançar impiedosamente, por esse litoral, onde se construiu, como se não houvesse amanhã, impedindo todos de usufruir da Natureza, proporcionando só a alguns a posse de ângulos e íntimos mirantes, que agora desabam, arrastando tudo, ao sugar areias, habitações, haveres.

Recentemente, uma investigadora da Universidade de Aveiro, revelou na Antena 1, que no litoral vareiro, o mar entrara nos últimos anos, cem metros.

Do Furadouro e da Costa da Caparica e agora de Caminha, chegam-nos imagens impiedosas.
Os autarcas, que ficaram com o problema nas mãos, tendo sido eleitos há escassos meses, exigem acção ao Governo, e com os recursos limitados que possuem, ao mandarem colocar areia, é dinheiro que deitam fora, para o mar arrebanhar em dois tempos.

Os comerciantes e os moradores dos sítios ameaçados pelas vagas, bem podem viver com o credo na boca e um aperto no coração, bem podem protestar,numa revolta ensurdecedora para a televisão se babar, transmitindo directos lancinantes, pois ao comprarem território, sujeito à erosão, deviam saber que um dia o que se rouba ao mar, o mar conquista, mais tarde ou mais cedo.
Bertolt Brecht escreveu: "do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem"...

Esta passagem é efémera. De um dia para o outro não acordamos mais. Mas há quem se julgue eterno e eterna a fonte que explora até secar.
A minha consciência está em paz. Não contribuí para este descalabro. Tenho o mesmo que tinha, há duas décadas, quando concluí a minha licenciatura, há uma década, quando concluí o primeiro mestrado, há dois anos, quando fiz o segundo mestrado...ou seja: Livros, viagens, jeito para escrevinhar poemas, pintar com café toalhas de tasca, uma invejável escala humana, que me permite ter amigos verdadeiros e conversar à volta de um café. Acrescento que ganho menos do que ganhava há anos, quando a moeda era o escudo. Como há quarenta anos, continuo a tentar lutar, por um mundo melhor, onde a posse da Natureza não seja esta vergonha, mas um bem comum, que não tenha revezes como aqueles a que assistimos por estes dias...

No Verão passado, um amigo, levou-me a mim e à Ana, até à praia da Torreira, onde passei verões deliciosos, acampando na mata, desfrutando de um extenso e selvagem areal. O sindroma da Costa da Caparica alastrou até àquele lugar... igual ao litoral alentejano, à costa algarvia, pois onde quer que estejamos, tudo é um remake em termos de (des) organização do território.... 

O casario infestava a paisagem. Apenas o mar permanecia, pois não podem desviá-lo...Por que se queixam, então?



Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)


1 comentário:

Paula Silva disse...

E assim vai o país e o mundo, fruto da incúria, da irresponsabilidade, da ambição desmedida, do autoritarismo humano sobre a natureza, como se fossemos seus donos, quando há que respeitar a natureza e não desafiá-la...
Triste, muito triste, esta atitude de interesses imobiliários, turísticos, sem planeamento, sem estudos, sem respeito.
É o meu desabafo.
Beijos Luís.