Canto Franciscano
(José Carlos Ary dos Santos)
Por onde passaste tu
que não soubeste passar?
Pela sandália do tempo
pelo cílio do luar
pelo cílio do vento
pelo tímpano do mar?
Por onde passaste tu
que não soubeste passar?
Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro
tenaz do fogo divino
irmão pinho ou aloendro?
Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro?
Pois bem: nos campos da fome
ou nos caminhos do frio
se eu encontrasse o teu nome
lançava-te o desafio:
por onde passaste tu
pétala viva dos cerdos
rei das chagas e dos podres
- por onde passaste tu
não passaram as minhas dores!
Nasci da mãe que não tive
do pai que nunca terei
e aquilo que sobrevive
é o irmão que não sei:
uma espécie de fogueira
de corpo que me deslumbra.
Tudo o mais à minha beira
é uma réstia de sombra.
- Por onde passaste tu
com artelhos de penumbra?
Eis-me. Eis-me incendiado
por não saber perdoar.
Meu irmão passa de lado
- Eu sei como hei-de passar.
Fotografia de LFM (Jerba, Tunísia)
2 comentários:
Saudades do Ary dos Santos e da sua poesia, tão acutilante.
Abraço, saúde e bom fim de semana
Grata pela publicação deste poema, tão poderosamente interpretado pelo "monstro sagrado" do Fado que é Ricardo Ribeiro.
Bom final de semana.
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