Artur Bual costumava dizer que “ninguém nasce sozinho”. E se de facto, “O Mestre aparece, quando o discípulo está
pronto”, foi graças ao Eduardo
Nascimento, que o conheci, primeiro na Galeria
Municipal da Amadora, através das suas telas, e depois no programa que
ambos fazíamos, na Rádio Horizonte -
o “Desafios”, de boa memória, onde a
par de uma selecção musical requintada, entrevistávamos artistas e debitávamos
textos, da nossa lavra, a propósito do país que tínhamos no final dos anos 80.
A
primeira impressão que Bual me
causou foi de algum constrangimento, face ao carão cerrado, com que se
apresentou…
À
medida que o ia entrevistando, respondia-me com uma linguagem que me cativava -
luminoso, sensível, poético, envolvente.
Assim
é o mistério da sua pintura.
No
atelier, um pouco de nós, dos silêncios e das conversas, ficava na pele dos
quadros, numa alquimia, que recolhia da realidade, a abstracção mágica.
Do
tédio à asfixia, que cada um ia sentindo, no quotidiano, tudo se reflectia nos
Cristos, no gesto impetuoso, através do qual a tinta se derramava, sobre a
menina ou uma qualquer impressão, de paisagens da memória, ou reinventadas.
Magistral,
na sua recriação, entre as paredes do seu abrigo-cela de reflexão, interacção e
criatividade.
Artur Bual respirava tintas, imaginários,
cigarros, paixões, fúrias, emoções, ternura. Era um menino grande, brincando
sem limites.
Um
Génio, um extraordinário gestualista, que não pode ser olvidado.
Tive
o privilégio de fruir essas ambiências, onde conheci muita gente; devo-lhe o
ter feito o meu primeiro livro de poesia, por via de uma ida ao “Botequim”, de Natália Correia, depois de termos
escutado Eugénio de Andrade - o que
motivou desenhos dele e um poema meu que a Diva
elogiou. Presente, um editor atento, logo me incentivou a publicar esse
longínquo “Da Água e do Vento”.
É
também biográfico, falarmos de alguém, que tanto nos marcou.
Falar
de Bual é lembrar a decisão de ter ido jantar o seu bitoque, após longa espera,
por um subsecretário de Estado da Cultura que, ao chegar à Galeria, em Oeiras,
não tinha o autor da exposição, para o receber.
A
irreverência sempre foi o seu cunho distintivo.
Falar
de Bual é evocar uma enorme sucessão de momentos de partilha e aprendizagem,
sem endeusamento, porque era escandalosamente humano.
Andei
com um quadro ao colo, pelas ruas de Lisboa, o melhor que o poeta de “Branco no
Branco” recebeu dos seus amigos pintores, sendo objectivo maior essa obra
integrar uma mostra de retratos, assinados por grandes vultos da Arte
Contemporânea Portuguesa.
Com
uma personalidade fortíssima, capaz de num instante expulsar os convivas do
atelier (ena a que escapei), como noutro telefonar, lamentando que os amigos
verdadeiros não estivessem ao seu lado, “obrigando-me” a sair da cama,
engripado, e voar para a Amadora, num táxi para jantar com ele, a verdade é que
- por tudo o que ele significa - a sua morte criou um vazio na Arte e no
Círculo de Amigos, que a Associação criada para o celebrar, da qual fui co-fundador,
em parte procurou colmatar.
Ficou
a obra e esse grupo, que se esforça para não deixar apagar a sua memória, num
país ingrato.
O
atelier desapareceu, a Guilhermina também partiu…
Subsiste
a eterna, grande energia, que se depreende da intensidade dos Cristos, da força
telúrica dos Alentejos, elaborados com terra do sul, da tinta-sangue-de-boi,
trazida de Torres Novas, do lambriz das casas do Largo da Infância, das meninas
impetuosas, daquelas mãos que eram o olhar do menino que a professora primária
garantiu que não sabia pintar…
E
os Amigos que nunca o esquecerão.
Lisboa,
3/3/2014; 15:30
Luís
Filipe Maçarico
(1) Texto incluído no Catálogo da Exposição "Bual Revisitado", que inaugurou a nova galeria municipal da Amadora, situada na Casa Aprígio Gomes.
2 comentários:
Conheci-o em carne e osso
em boas viagens
Abraço
Conheci-o em carne e osso
em boas viagens
Abraço
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