"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quinta-feira, maio 08, 2008

Artigo de Luís Filipe Maçarico sobre Alpedrinha publicado no nº 26 do Jornal "Conversas de Café" em 4 de Janeiro de 2008








ALPEDRINHA, PRINCESA DA GARDUNHA

No coração da Beira Baixa, disposta em socalcos, nas faldas da Serra da Gardunha, uma vila com casas de granito e fontes, templos e miradouros, palácios e janelas manuelinas, castanheiros e cerejais, sobressai. Vista do comboio, é um anfiteatro de casario, que desafia o olhar. Alpedrinha, a bela. Sintra da Beira para a Marquesa de Alorna. Prlncesa da Gardunha para viajantes extasiados.

No já distante Novembro de 1979 encontrei esta terra mágica, quando ainda se comemorava o Santoro (pão por Deus) e ao descobrir as suas valiosas jóias patrimoniais, comentei que o Museu dos Embutidos, o Museu Etnográfico da Liga dos Amigos e o Museu dos Paramentos enriqueciam com muita Arte a Natureza pródiga do lugar.
Fui então convidado para as Janeiras e integrado no Grupo de Cantadores, que um mês depois entrou nas residências dos humildes e nas mansões dos abastados, pois ao contrário de outras pessoas que vinham de Lisboa, achava bem que os tesouros da terra nela se mantivessem.

Este Natal voltei a esse convívio que há muito me cativou, no desfrute da consoada, no prazer do madeiro, na graça dos seus presépios, na partilha de paisagens e amizades que um dia me deslumbraram, tal é a força dos elementos e da hospitalidade nesta região.

Ouvir na igreja matriz, de construção sólida e elegante, um concerto com o orgão de tubos, que em tempos me fez sentir na Salzburgo de Mozart, ao ser tangido por mãos sensíveis e talentosas como as da professora Monia Roxo, é um acontecimento inesquecível. Conhecer os meandros dos últimos seguidores da marcenaria artística, que produziu prodígios tais como um contador - com os cantos dos "Lusíadas", ilustrados em madeiras preciosas - executado por Parente Pinto, entalhador-mor de Dom Carlos I, constitui um singular privilégio. Conhecer a Casa do Barreiro (Turismo de Habitação) e a personalidade encantadora de Dona Francisca Cabral, uma das senhoras que mais amam Alpedrinha e melhor sabem transmitir o fascínio que o lugar exerce, a par de Dona Gracinha Correia, a mentora do Museu Etnográfico da Liga dos Amigos e guia de muito calcurrear quelhas e ruas desta vila que foi sede de concelho até ao século XIX, é uma esplêndida hipótese para desvendar os seus segredos.

No chafariz monumental de Dom João V, emoldurado pelo emblemático Palácio do Picadeiro, como diante da Casa da Comenda ou do Solar dos Britos, a pedra conta estórias. As chaminés diversas, as fontes inúmeras, as varandas de madeira e os balcões de granito guardam recordações. É preciso descortinar, entre a lenda e a vivência quotidiana, a realidade identitária, o património notável.

Por estas ruas, com Eugénio de Andrade, num Verão distante, à luz dos pirilampos, ouvi-o contar memórias de infância, quando as gentes da Póvoa e de outras aldeias vinham às festas de Alpedrinha. No tanque do chafariz majestoso, num outro Estio, tomei um banho ritual com seis poetas vindos de longe e fomos sete vates a desinquietar as estrelas de uma noite quente.

Pela estrada romana, por estas encostas de amoras com sabor a sol e mel, subi aos cumes da alegria e dos largos horizontes, vislumbrando a Estrela e a Malcata, toda a Cova da Beira, Monsanto, Idanha e terras de Castela.
Com aromas de oregão e hortelã bravia trepa-se aos cabeços da Gardunha dos pastores e dos cesteiros, escutando as águas que brotam da rocha.

No terceiro fim de semana de Setembro, a vila anima-se com uma festa reinventada: Festa dos Chocalhos, com a Transumância a motivar desfile de gaiteiros, bombos e chocalheiros. Provam-se petiscos, bem regados, reencontra-se gente fraterna, os forasteiros levam para as cidades boas lembranças.

Em Agosto, no pino do Verão, a romaria do Anjo da Guarda atrai devotos das redondezas para agradecer bençãos. A religiosidade dos alpetrinienses está patente nas capelas, sendo a do senhor da Oliveira a mais pequena, a do Espírito Santo a mais antiga e a do Leão monumento nacional, que por vezes se abre para encontros de poesia e de música clássica.

Na tasquinha da Dona Maria festeja-se a vida e a sabedoria de um povo, que António Salvado Motta na sua Monografia realçou. É um outro templo - o dos sabores antigos da jeropiga e da ginjinha conversadas com pronúncias terrosas. Alpedrinha tem na filha de Dona Maria, Filomena, uma devota dos tesouros da terra.

No Teatro Clube as noites frias de Dezembro são aconchegadas pela confraternização e pela frequência jovem de um espaço centenário, onde actores de nomeada representaram e onde a actividade actual parece augurar, nas iniciativas e na vontade do presidente Pedro Leitão um futuro risonho para o associativismo local.

Nas águas das fontes bebe-se a esperança de voltar.
Voltei sempre! É o que dizem velhas lendas, crenças, tradições...

LUÍS FILIPE MAÇARICO

8 comentários:

jose filipe rodrigues disse...

Tenho uma positiva “inveja” dos textos que escreves e das tuas fotos, ambos com apurada poesia. Tu mereces essa realização e os teus amigos a partilha da tua criatividade.
Um abraço luso-americano
JFR

jose filipe rodrigues disse...

Tenho uma positiva “inveja” dos textos que escreves e das tuas fotos, ambos com apurada poesia. Tu nmereces essa realização e os teus amigos a partilha da tua criatividade.
Um abraço luso-americano
JFR

isabel mendes ferreira disse...

e eu tanto/muito de te re.ver...oh talentoso Poeta!!!!!



.



beijossssssssssssssssssssssssssss.

paula silva disse...

Ora cá está o artigo que tanto esperava...
Para que todos saibam o amor que o Luis Maçarico devota a esta terra, sem preconceitos e com muito carinho, sempre...
Leva o nome de Alpedrinha, pela positiva, onde pode e como pode.
Bem-Hajas Luis por este presente tão luminoso.
Abraço e bejinho
Alpedrinha deve-te tanto que jamais será possível agradecer-te como mereces.

paula silva disse...

Luis
Tu é que me deixas sem jeito...
Beijoooooo
Bem-Hajas pela tua presença na minha humilde existência.
Abraço.

elvira disse...

Uma descrição muito apaixonada de um lugar que muito lhe agrada. E cercada de fotos lindas.
Um abraço

Fernando Pinto disse...

Aqui está um sítio que eu gostaria de visitar um dia... As tuas palavras, amigo Luís, são um convite ao passeio, ao devaneio do olhar...

Abraço deste teu amigo ovarense

Elvira Carvalho disse...

Passei por aqui. Deixo-lhe votos de bom fim de semana.
E um abraço.