"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, dezembro 08, 2023

O Natal agora quase começa em Outubro


 Este ano, para meu espanto, uma série de lojas e até de ruas começaram a indiciar que íamos entrar na época natalícia. Essencialmente de ilusão e consumo e talvez de disfarçar o incómodo das guerras e do "vai ficar tudo bem" ter ficado de pernas para o ar. Os valores contrários ao bom senso, ao equilíbrio, à harmonia, estão em marcha, mascarados por esta ideia de um Natal que mais dia menos dia começa ainda mais cedo.

Nunca gostei da parte hipócrita que esta épocaa encobre. Se a fraternidaade fosse o lema em que cheguei a acreditar, outro seria o Mundo e não este onde António Guterres por ter compaixão, por ser cristão e defender a paz em Gaza é considerado pelos extremistas que julgam ser donos da verdade em Israel um inimigo da paz. 

E os americanos, através daquela múmia que se arrasta, no intuito de mandar no mundo, vender armas e decidir a carne para canhão que é lançada nos conflitos que de um momento para o outro (lembrem-se do Afeganistão e daquela imagem dos fiéis servidores dos imperialistas agarrados ao último avião) deixam de interessar. Mas eu devia estar a falar do Natal e do exagero dos festejos começarem cada vez mais cedo, não era?

LFM (texto e fotografia)

quinta-feira, novembro 02, 2023

TEU NOME, PALESTINA

 


TEU NOME, PALESTINA

Teu nome, Palestina
Corre o Mundo nos
Lábios solidários e
Nas mãos que anseiam
Cidades de crianças
Sem medo.

Teu nome, Palestina
Resiste entre escombros
E rios de sangue
Na custosa esperança
De vencer o tempo
Das flores esmagadas.

Teu nome, Palestina
Também faz parte de mim:
Não é possível sorrir
Se choras; não consigo
Cantar se morres.

Teu nome, Palestina
Lembra a luta dos que buscam
Na liberdade o afago da paz
o voo da sabedoria
o elixir da vida contra
os tanques e os canhões
dos opressores.

Teu nome, Palestina
É a lágrima e o grito
De um povo sufocado
Pelo roubo do futuro
Sempre adiado.

Teu nome, Palestina
É uma rosa de cinzas
Sonho teimoso
No coração dos que não
Se rendem dos que não
Se vendem dos que não
Desistem!

Luís Filipe Maçarico

Fotografia recolhida na Net (jovem pastor de camelos de Jenin - Cisjordânia)

Comentário do Professor Dr. Santiago Macias, em 1 de Janeiro de 2009, no seu blogue Avenida da Salúquia 34 :
O poema, de Luís Filipe Maçarico, data de Março de 2002. Podia ter sido escrito ontem. Poderá vir a ser escrito de hoje a um ano...
Luís Filipe Maçarico refere a rosa de cinzas. Estranha ironia a da faixa de Gaza, outrora célebre pela produção das mais belas rosas do Médio Oriente.

Comentadeiros e Realidades

 


Pergunto-me como há gente com pachorra para escutar comentadeiros televisivos que asseguram constantemente nas suas intervenções que o invasor está a perder a guerra e não tem como ripostar perante a resistência do invadido.

Pobres povos que sofrem agruras impensáveis e na boca dessas criaturas vencem todas as armadilhas embora cada dia que passa a realidade altera-se e degrada-se.

Na página 21 do "Público" de hoje, quinta-feira 2 de Novembro leio: "Rússia ataca 118 localidades na Ucrânia num único dia" "O maior número de cidades e vilas desde o início da guerra")

O que dirá o senhor Milhazes perante esta triste verdade?

LFM

A Repórter, o Herói e o Segredo.

                        


No início da Guerra que a Rússia infligiu à Ucrânia, Judite de Sousa, em serviço de reportagem para a CNN, no subterrâneo de um hotel de Lviv, contou que as ruas dessa cidade perto da fronteira com a Polónia estavam cheias da imagem do "herói ucraniano" Stepan Bandera. Fui à Internet tentar perceber quem era o "herói" e fiquei com a ideia que a senhora possa ter sido dispensada por ter falado deste assunto que porventura era segredo. De facto nunca nenhum comentadeiro de entre o carroussel de militares de serviço às diversas estações televisivas mencionou esse nome. Podem verificar na wikipédia e tirar as vossas conclusões.

LFM

domingo, agosto 27, 2023

WORLD HERITAGE FESTIVAL DA CABRELA

Na Cabrela ontem, sábado 26 de Agosto, aconteceu na Herdade da Bandoca o primeiro Festival de Verão, com designação inglesa (World Heritage Festival) através do qual se pretendeu celebrar 3 Patrimónios Imateriais Ibéricos - Cante, Fado e Flamenco. Saliento Sara Correia, Duquende, o Barcelona Flamenco Ballet e o Grupo Coral "Fora d'Oras". Constituído por uma multidão de tios e tias, o público era frio como o crepúsculo ventoso, de tal forma que um dançarino dirigindo-se à assistência acusou-a gestualmente de estar a dormir. Onde outrora se semeavam cereais, agora semeiam-se festivais com nomes ingleses, apoiados por entidades como a Presidência da República, o Turismo de Portugal,  a Direcção Regional de Cultura do Alentejo, a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, só para citar alguns dos patrocínios. VIVA A TRADIÇÃO!
(texto e fotografias de LFM)

                                       
                                                                                  
                                                                                  
                                                                                     
                                                                                  
                                                                                    
                                                                                  
   

quinta-feira, agosto 10, 2023

19 Anos de "Águas do Sul"


 Este blogue existe há 19 anos!

Depois de ter aderido ao Facebook, os artigos começaram a rarear, mas a actividade nunca foi suspensa.

Na imagem de hoje, um dos momentos mais interessantes da minha caminhada. 
Em Vilarelhos, freguesia do concelho de Alfândega da Fé, foi inaugurado um percurso urbano de Poesia, para o qual fui convidado, tendo feito chegar à organização do Festival Fronteiriço de Poesia, Arte de Vanguarda e Património, um poema.
Tive a honra e o privilégio de ler o poema, que ficou na rua da Senhora Presidente da Junta, Célia Alcarva, uma pessoa com escala humana.

Entre outros poetas, também Rodrigo Dias e Laurinda Figueiras ficaram ligados a ruas de Vilarelhos, com os seus versos.

Saudamos os leitores deste blogue, perto das duas décadas completas de produção, tendo a Poesia como temática habitual, a par da Etnografia e do Associativismo.
Sejam sempre Bem Vindos!
VIVAM!

Luís Filipe Maçarico 

terça-feira, julho 25, 2023

PREFÁCIO PARA "A MODA DO BOMBO VOZ DO POVO DE LAVACOLHOS" DE ISAURA REIS

 ISAURA REIS E “A MODA DO BOMBO VOZ DO POVO DE LAVACOLHOS”: EXCELENTE CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DE UM TESOURO COMUNITÁRIO


 

Em “O Mundo na Era da Globalização”, Anthony Giddens afirmou que “todas as tradições foram inventadas. Nunca houve uma sociedade inteiramente tradicional”, acrescentando que “As tradições são sempre pertença de grupos, comunidades” tendo o ritual, o cerimonial e a repetição “funções sociais importantes,”[1]

Salwa Castelo Branco e Jorge Freitas Branco escreveram que a folclorização é o “processo de construção e de institucionalização de práticas performativas, tidas por tradicionais constituídas por fragmentos retirados da cultura popular, em regra, rural”, concluindo que o povo passa a ter a sua voz ouvida e aceite na restante sociedade.”[2]

Fernando Oliveira Baptista considera que “O património passa (…) da memória das pessoas para a história dos lugares e, simultaneamente, dá aos residentes outra dimensão no relacionamento com o espaço onde habitam.”[3]

“As criações populares” - segundo Jorge Dias - “ são o produto de uma longa elaboração local em épocas em que a falta de meios de relação segregavam as populações das influências urbanas”, sublinhando que “eram obras perfeitas no seu género, porque eram puras, sinceras e totais”. Contudo, Jorge Dias adverte “Quem é que pode exigir que (…) as danças e a música popular se conservassem puros na época do plástico?”[4]

 

Esta breve introdução académica ajuda-nos a percepcionar a pertinência da singular abordagem, ao longo de quatro anos, da Professora Isaura Reis, em torno dos Bombos de Lavacolhos, registando ao pormenor, a originalidade e tradição, da origem aos nossos dias, do poder contagiante e energia libertadora, salientando mudanças na construção dos bombos, cada um com sua mestria e segredos, sem esquecer o pífaro que foi de madeira e agora é de metal.

 

Efectivamente, Isaura Reis decidiu lançar-se numa árdua mas empolgante tarefa, revisitando, com novos olhares e testemunhos actuais, a tradição dos Bombos de Lavacolhos, acompanhando todos os momentos de divulgação que o grupo de tocadores marcou na comunicação social, seguindo a performance e respectiva evolução.

A autora procedeu a uma recolha aprofundada, com pesquisa alargada na comunicação social, vasta consulta bibliográfica de obras gerais e específicas.

A sua metodologia transdisciplinar, integra testemunhos de muitas personalidades contemporâneas e de referência, ligadas à Música, à Etnografia, ao Jornalismo, escutando autores incontornáveis como Maria Antonieta Garcia, José Alberto Sardinha e Fernando Paulouro Neves, Músicos como Adelino Pereira, José Reis Fontão e Luís Cipriano, só para mencionar alguns dos citados.´

Além da análise histórica, reportando a existência do grupo através do tempo, Isaura Reis desenvolveu a observação-participante, fazendo inúmeras entrevistas ao povo local e enriqueceu a obra com uma selecção fotográfica notável, recorrendo por vezes ao magistral Diamantino Gonçalves.

Os Bombos de Lavacolhos representam o que há de melhor na tradição popular.

Uma vivência reforçada em cada actuação, que é celebração de um património identitário, herança de gerações e orgulho de uma Comunidade.

Nas páginas deste livro, evidencia-se o conhecimento geográfico de uma prática cultural repartida (e revisitada) desde a ida à Emissora Nacional, Coliseu dos Recreios, Zip Zip, Povo que Canta, Fundação Gulbenkian e TV da Galiza durante oito decénios.

Isaura Reis não prescinde da sabedoria de Ernesto Veiga de Oliveira, Michel Giacometti, Lopes Graça, Jaime Lopes Dias e Armando Leça, entre outros. Disseca a Moda do Bombo, actualizando o levantamento primordial de Carlos Gravito.

Mergulhando nas Ciências Sociais, a autora produziu uma obra de conteúdo incontornável, constatando a revitalização de uma prática que a mediatização tornou conhecida dos portugueses de Norte a Sul e que, apesar de ter ganho espaço num Museu, mantém-se viva, actuante e com futuro. Penso que faz todo o sentido citar Paulo Lima: “O Património imaterial (…) só existirá se for contemporâneo e se houver pessoas que o sintam enquanto vida e não enquanto representação.”[5]

Este trabalho aponta para a continuidade da prática emblemática, ressalvando eventuais lacunas, pois a presente publicação é um contributo para o estudo de um tesouro comunitário e dos costumes a que está ligada uma população, realçando a intensidade com que os tocadores exaltam cada contexto festivo, onde o Homem é a medida de todas as coisas.

O testemunho dos principais intervenientes - construtores e tocadores - explicando as funções, ombreia com os depoimentos dos estudiosos, reconstituem as diversas fases deste símbolo de uma povoação, através do seu pujante ritual de mestria. Revisitamos a envolvência de Fausto, António Vitorino de Almeida, Pedro Barroso, Salvador Sobral e muitos grupos que coleccionaram cancioneiros, interpretando com instrumentos de cariz aldeão, que passaram de geração para geração, canções resgatadas do olvido, introduzindo bombos nas suas actuações públicas e nas gravações que perpetuam este feliz movimento, que se multiplicou nas últimas décadas.

 

Parabéns, Isaura Reis, por esta investigação e pelo engrandecimento que “A moda do bombo voz do povo de Lavacolhos” traz ao espaço e à cultura popular, revigorando, modernizando e elucidando todo um saber fazer que, enquanto houver o gozo e o reconhecimento da transcendência do quotidiano, que desde sempre se vivencia nesta terra da Beira, juntando a tradição à actualidade, será pele, sangue e imaginário popular celebrando um território, que se deseja eterno.

 

Luís Filipe Maçarico

(Antropólogo; Poeta)

Almada, 13 e 16 de Janeiro de 2023

Fotografia de Fernando Nascimento

[1] Giddens, Anthony “O Mundo na Era da Globalização”, Lisboa, Presença, 8ª edição, 2012, pp. 46-52.

[2] Castelo Branco, Salwa; Freitas Branco, Jorge (org.) “Vozes do Povo A Folclorização em Portugal”, Celta Editores, Oeiras, 2003, pp. 1 e 20.

[3] Baptista, Fernando Oliveira “Museus e Património Imaterial”, Instituto dos Museus e da Conservação, 2009, p. 41.

[4] Dias, Jorge “O Folclore na Era do Plástico”, in “Reflexões de um Antropólogo”, Cadernos de Etnografia, Museu da Cerâmica Popular Portuguesa, 2ª série, Barcelos, 1968, pp. 37-41.

[5] Lima, Paulo “Património Cultural Imaterial. Conceitos e Formas Desadequadas de Olhar a Paisagem”, Aldraba nº 16, Outubro