"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, novembro 24, 2015

No XXI Colóquio dos Olivais falando dos Jordões de Pias

Nesta segunda feira dia 23, voltei à Escola Secundária Eça de Queirós, para apresentar uma Comunicação sobre os "Jordões" de Pias, no primeiro dia do  XXI Colóquio dos Olivais, que foi seguida com interesse pela assistência de quase duas dezenas de participantes.
Grato ao Professor Andrade Lemos, pela gentileza de me ter convidado ao longo dos anos e a Carlos Inácio pela autoria das fotografias.

Neste evento, já falei, entre outros assuntos, das Aldrabas e Batentes dos Olivais Velhos (com Vanda Oliveira, Leonel Costa e Graça Silva), de Santo António, um Santo de Proximidade e da Efabulação em torno da chamada "Mão de Fátima".

Nesta primeira tarde em que me coube intervir, escutei deliciado os outros comunicadores, que falaram de temáticas tão interessantes como a arqueologia de uma Batalha - Vimeiro 1808 (Rui Ribolhos), D. João VI - Um Caso de Envenenamento (Sandra Coelho) e Tumulária de D. Nuno Álvares Pereira (Nuno Pires).

Este Colóquio é o I Luso-Brasileiro do Centro Cultural Eça de Queiroz e a Revista de Telheiras, todos os anos inclui no seu vasto articulado, os contributos que os convidados a cada edição do Colóquio entregam à  organização.

Durante a semana, vários investigadores, como Salete Salvado, apresentarão diversos pontos de vista acerca das várias ciências sociais, onde fundamentam os seus olhares sobre toponímia,  factos, monumentos, música, poesia, humor, etc.

Luís Filipe Maçarico



A Invasão dos Estrangeiros dos Vistos Gold e a Venda a Retalho das Cidades, com a benção da Galinácea Cristas

 
Os aberrantes personagens de Moebius, que se pavoneiam na nossa sombra, e gostam de nos ver mudos, porque não suportam a nossa crítica, aplaudem a invasão - não dos refugiados - mas dos vistos gold, em consonância com a Lei das Rendas, protagonizada por aquela cavalona, que Portas transformou em Ministra.
O Porto transformou-se num imenso Hotel, disse um conhecedor da realidade actual daquela cidade, em que a população genuína, que deu Alma ao burgo, foi remetida para as torres dos bairros - tipo Aleixo, depois implodidas porque os pobres metem nojo aos senhores feudais que ainda metem os calcantes no chão.
Lisboa está a ir pelo mesmo caminho. Ao lado do prédio onde moro, um inglês comprou um imóvel pintado de amarelo.
Aqui perto, no Beco dos Contrabandistas, um tugúrio transmutou-se em Residência Local, para veraneantes de passagem, cujo custo mensal é 700 euros.
Perto também, surgiu um hostel, com tantas condições, que há uns tempos atrás, os seus ocupantes andaram a perguntar onde é que podiam tomar banho...
É o desvairo. Qualquer quinhão é uma mais valia para a gula dos especuladores. E não vamos ficar por aqui....
Mete nojo que haja quem defenda este estado das coisas, como se isto contribuísse sobremaneira para o desenvolvimento.
Na freguesia onde resido, li num jornal, que prioritário é construir um elevador da 24 de Julho para o Museu Nacional de Arte Antiga.
Problemas sociais, quem quiser que os resolva.
Talvez as freiras, que dão leite aos pobrezinhos.
Ou a Misericórdia, que acompanha enfermos acamados.
Ou algum ente benfazejo.
Ou...

Luís Filipe Maçarico

quinta-feira, novembro 19, 2015

Apresentação do Livro "É de Noite Que Me Invento" em Serpa, no final de Outubro. O Texto de Ana Isabel Veiga


 
Em 31 de Outubro, dois dias depois do êxito que foi o lançamento do meu vigésimo livro de versos na Casa do Alentejo, que segundo o "Comércio de Alcântara" contou com uma assistência de 130 pessoas, foi a vez de rumar a Serpa e graças a Paulo Lima, director da Casa do Cante, estrear-me naquele local,apresentando a minha Poesia. Na assistência, Maria João Bual, marido e filha, Madalena Borralho, criadora do espaço museológico rural de Pias, Mariana Borralho, das Ceifeiras de Pias, o presidente da direcção da Aldraba, José Alberto Franco, os arqueólogos Maria João Marques e Marco Valente, entre outros companheiros e serpenses, curiosos de conhecerem a minha escrita poética. Maria Eugénia Gomes disse alguns poemas e os Amigos Paulo Lima, Santiago Macias e  Ana Isabel Veiga, falaram do autor e da sua obra. 
Pelo interesse da abordagem, transcreve-se o texto da Antropóloga e Amiga, que aceitou o repto de me apresentar:
 
"Soubesse eu de poesia e esta seria a oportunidade para fazer um brilharete. Poderia fazer análises poéticas, construções académicas sobre composição de poemas ou mesmo tecer profundas considerações acerca da arte de versejar. O campo, esse, é dilatado e fértil.
Pois é … mas não percebo grande coisa de poesia!!
Perguntarão vocês (a assistência) com toda a legitimidade … mas porque convidará o Luís uma pessoa que não percebe nada do assunto para falar sobre a sua obra poética?
Pois … isso é, também, o que me pergunto!!
No entanto, este não é o primeiro convite. Estes desafios tiveram sempre justificações como: porque tu és minha amiga; porque temos trabalhado e viajado juntos; porque partilhamos o gosto pelos lugares e pelas pessoas, porque conheces todos os meus livros.
Fui-me esquivando sempre, até porque esta função de apresentadora do que quer que seja sempre me assustou um bocadinho.
Mas desta vez o Luís acrescentou uma razão que fez a diferença:
É em Serpa! E na Casa do Cante!
E o cante, não posso deixar de referir, embalou-me a infância na voz do meu pai, às vezes acompanhada pela da minha mãe – ambos trabalhadores do campo, filhos desta terra luminosa e branca que o latifúndio e os duros anos 50 empurraram para a capital. Ele regressou, há curtos anos, mas para pagar a sua divida à terra, como diz a moda que tantas vezes cantou.
Não tive argumentos e cá estou para vos tentar falar de forma simples e despretensiosa, porque de outra maneira não poderia ser, do autor e dos seus poemas.
Do autor posso falar com a propriedade que mais de uma década de convivência próxima me confere, já da poesia … !! Acho que vou apenas evidenciá-la recorrendo à tal ciência chamada - gosto pessoal.
 Isto de falar dos amigos tem que se lhe diga! Fica-se sempre a dever muito à isenção e à objectividade. Tendemos, com frequência, a ser parciais, a deixar-nos toldar pela admiração e pelo sentimento. Mas, ainda assim, corro o risco. Até porque quero contrariar essa tendência e parece que tive “carta branca”. “Podes falar mal de mim” – disse-me o Luís. E eu não quero perder a ocasião, com carta branca ou sem ela.
Muito já foi dito sobre a pessoa. Em quase todos os seus livros há um prefácio que o enaltece enquanto ser humano e cidadão do mundo e poeta e viajante, e em cada apresentação da sua obra há sempre um amigo que lhe contabiliza as virtudes e lhe acrescenta elogios. Mas ele continua a gostar que falem dele!! Vá-se lá saber porquê!!
Supondo que ainda ninguém lhe enumerou os aspectos menos virtuosos, posso dizer que é uma pessoa que, por vezes, radicaliza posições, é contraditória, ansiosa e intempestiva e, algumas vezes, incoerente. Como ele costuma dizer: “que monótono seria eu se fosse sempre coerente!!”
Tende a sobredimensionar acontecimentos - os bons e os maus. Muitas vezes as nossas conversas telefónicas começam por : Sabes lá o que me aconteceu hoje… uma coisa horrível!! Depois de narrado o acontecimento, verifico que afinal foi alguém menos correcto que passou à sua frente na fila dos correios, ou lhe disse palavras mais ou menos insultuosas (bem à moda de Alcântara) na tentativa de chegar mais depressa ao lugar sentado no autocarro da carris que serve o seu bairro.
Mas o contrário também se verifica – encontrar um livro que procurava há muito, fruir do sol numa manhã clara ou almoçar com os amigos, por exemplo, podem contribuir para uma felicidade imensa que lhe vinca o sorriso e lhe incendeia o olhar.
Enumerar-lhe as qualidades é sempre um risco. Já outros esgotaram, certamente, os adjectivos. Arriscando repetições posso dizer que o Luís é uma pessoa simples, desafiadora, cativante, sensível, sonhadora, divertida mas, essencialmente, fraterna e amiga.
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Não sendo tarefa fácil falar do poeta a questão complica-se ainda mais quando abordamos o seu percurso na poesia. A sua caminhada poética é já longa e são várias as dimensões da sua escrita: saliento apenas duas: a poesia mais intimista e a poesia de viagens.
A primeira revela-se no último livro “É de noite que me invento” mas também no seu primeiro trabalho editado “Da Água e do Vento”, a que se seguiu “A Essência”, e outros como “Íntim(a)idade”, “A Secreta Colina”, “Geografia dos Afectos” ou “Caligrafia do Silêncio”. 
A poesia de viagens expressa-se em “Mais perto da Terra”, dedicado à Beira Baixa, e  a beleza dos lugares de Eugénio de Andrade é desvendada,  em mais dois dos seus escritos: “O Vagabundo da Luz” e “Ar Serrano”.
Era uma rua de cravos
E versos antigos.
Por ela chegava-se ao campo
Das oliveiras que eram corpos
Abraçados escutando o silêncio.

(excerto do poema Póvoa de Atalaia – terra de Eugénio de Andrade – in “Ar Serrano”)
Os seus versos foram também à descoberta de outras geografias e trouxeram o perfume de horizontes diferentes. O poeta cativa-nos para o seu deslumbramento com a Tunísia em “Pastores do Sol”, (em português, francês e árabe), já com 2ª edição; “Cadernos de Areia” e “Ilha de Jasmim” (dedicado à ilha de Jerba)
Na manhã fresca
entre o azul adormecido
e a cal do silêncio
a flor da laranjeira
espalha aromas quentes
ao sol do poema:
guitarras de brisa,
barcos de bruma…

(Poema Sidi Bou Said, in “Pastores do Sol”)

Lisboa é o lugar do poema, diz José do Carmo Francisco e o poema, como a cidade, é, em simultâneo, misterioso e oculto, claro e luminoso e surge como desejo de encontro em “Lisboa Cais das Palavras”;
O desejo debruça-se na varanda
É uma carícia esta peregrinação
Da brisa ao fim da tarde.
Na procissão dos cabelos
Desalinhados
Surgirás de repente…
Em que beijo? Em que palavra?

(poema Campo de Ourique, in “Lisboa - Cais das Palavras”)
As odes a Lisboa, aos seus lugares e à sua luz, não se esgotam aqui - o poeta encontra-se e reencontra-se com a cidade e o rio em “Lisboa Asas de Água” e “Lisboa - Pegadas de Luz”.
Os campos, o branco, o olhar que prende o verde esperança, o vento, as oliveiras, os homens, são cantados em “O sabor da cal” e “Celebração da terra.”
Pinta telas, o poeta – dizem muitos. E se a palavra é sempre cor, é nestes poemas sobre o Alentejo que mais se acentua, talvez por encontrar raízes mais profundas. Exalta a cor da terra, da água, do sol num louvor às coisas elementares - os largos horizontes e o silêncio. Mas as tonalidades fortes das vozes do sul atravessam os poemas e a paisagem humana sobressai.
A voz humaniza o silêncio grandioso, chorando a solidão dos campos (…)
Entre balidos e chocalhos, sobre caminhos de espigas e papoilas, nas longas horas de pastoreio
A garganta é flauta (…)
São de água e sonho alguns versos cantados
Semeiam sagradas crenças de pão e liberdade
E insistem
Até o coro se derramar nos largos horizontes do sul
Onde nascem manhãs de esteva e esperança.

(Humanos cantes, sagradas crenças, in “A Celebração da Terra”)

Há apenas dois dias deu à estampa um sumarento livro com os seus poemas mais longos – “É de noite que me invento”. Quando me mostrou e me ofereceu este seu último trabalho salientou: “Este livro é como eu - simples e despojado.”
Cristina Pombinho disse, na altura da apresentação desta última obra, que quando a leu sentiu que tinha nas mãos um dos maiores poetas portugueses!
Desafio-vos a lê-lo.
Em jeito de brincadeira e conclusão - recuperando um tempo longínquo, cito uma sua grande fã que, de olhar pestanejante e luzidio, se lhe dirigiu, dizendo:
“Obrigado poeta por existires!”

Ana Isabel Veiga
30.10.2015"

sexta-feira, outubro 30, 2015

O Texto de Cristina Pombinho na Apresentação do meu Vigésimo Livro de Poesia




Apresentação do livro É de Noite que me Invento, de Luís F. Maçarico

O maior desafio da apresentação do livro do Luís, não é apreciar a sua escrita, nem as suas características enquanto poeta, mas é distanciar-me da apreciação que estou a fazer, uma vez que a minha história confunde-se também com muito do que o Luís escreve. E a leitura deste livro em particular não deixa de ser um mergulho no meu próprio passado. Muitos dos poemas que aqui encontramos são um pedaço de tempo em que eu também participei. Conheço as histórias que conduziram às emoções partilhadas nestes poemas. Ao lê-los, dou por mim a reviver também alguns dos momentos da minha própria história. O eco dos sentidos, dos pensamentos, das emoções expressos nestes poemas ainda me assomam à memória. Tenho que confessar, portanto, que não poderei ser imparcial. Tentarei, no entanto, olhar para as palavras que aqui nos são doadas com a imparcialidade possível de quem olha, por vezes, para si próprio, mas de uma outra dimensão.
E a poesia é, de facto, uma outra dimensão da realidade na qual nos é permitido eventualmente participar. É, todavia, uma dimensão tremendamente real, porque vem despida de falsidade e cuja racionalidade, indispensável para a compreensão humana, vem filtrada pela emoção de quem sabe ser essa a essência própria do Ser.
Conseguir traduzir para a neutralidade dos símbolos verbais a essência do que somos é, pois, uma das maiores virtudes da poesia do Luís. As palavras perdem assim o significado literal que a conceptualização lhes atribui, para se transformarem em seres viventes, dotados de autonomia e significado próprio. Compreendê-las é conectarmo-nos com o que misteriosamente ocultam. Diz-nos o poeta em Caligrafia do Silêncio:

Escutas o coração
Batendo descompassado
Tens a noite nas veias
A gastar-se
Como areia entre os dedos
Escutas o que não podes ouvir.

Assim, as palavras que dançam nos poemas do Luís surgem por vezes nuas, embora prenhes de significado, vazias, porque surgem como veículo do não dito, do próprio silêncio, embora prenhes da vida quotidiana também dos outros. A poesia do Luís fala da vida de todos nós, mas como se cada instante da vida de todos nós tivesse a beleza da originalidade que ninguém mais partilha:
E dou-te voz, oh discreta
Anónima
Mulher
Dos eletrões
Transformados
Em crochet
No pandemónio
Dos engarrafamentos
Ouvindo palavrões
Mastigando
Lentamente
A tosta
Da dieta
E da paciência
Enquanto eu
Transpiro
Utopias
Para voltar a casa
Com os bolsos
Transbordantes
De palavras

Estou
Onde está
O povo.

(Excerto do poema Oração, in É de Noite que me Invento,)

Falámos aqui duma dimensão mais intimista da poesia do Luís, aquela que, porventura, se pode coadunar mais a este livro e a outros como Da Água e do Vento, A Essência, Íntim(a)idada, A Secreta Colina, Geografia dos Afetos ou Caligrafia do Silêncio. No entanto, o Luís sabe descer também a uma dimensão mais terrena, consciente da dimensão social do homem, escreve também sobre os valores que nos tornam coletivamente humanos. Lembro-me que a nossa amizade começou numa “Marcha da Paz”, há já alguns anos. A luta pelo bem-estar social e pelo bem comum tem sido uma constante dentro da sua versatilidade poética e humana, não só aqui do lado mais próximo de nós, mas também do lado que fica um pouco mais distante:
Teu nome, Palestina,
Também faz parte de mim:
Não é possível sorrir
Se choras; não consigo
Cantar se morres.

(Excerto do poema Teu Nome, Palestina, in Geografia dos Afetos)

Não completamente desligada desta vertente social, surge talvez uma das suas mais significativas marcas, a poesia ligada às viagens, onde está presente o seu lado cosmopolita de cidadão do mundo e a afirmação imponente das suas raízes. Tunísia, Itália, Beira Baixa, Alentejo e, claro, Lisboa, são alguns dos pontos do nosso mapa humano evocados em livros como Mais Perto da Terra, Lisboa Asas de Água, Os Pastores do Sol, Vagabundo da Luz, O Sabor da Cal, Os Peregrinos do Luar, Lisboa, Cais das Palavras, A Celebração da Terra, Pegadas de Luz, Ar Serrano, o belíssimo Cadernos de Areia e Transumância das Pequenas Coisas. Em todos estes livros se manifesta a sua vertente de pintor. O Luís sabe pintar com as palavras e é nos livros relacionados com as viagens que talvez seja mais fácil detetar esta qualidade poética, embora naturalmente cada livro seja uma mistura e uma osmose de todas estas características.
No poema Ksar Guilane, do livro Os Pastores do Sol, oferece-nos esta tela:

Eu vi o deserto
A sua pele de ventos
E os corvos nas dunas

Eu vi a esmagadora
Boca de areia
Na tarde de lumes.

Temos ainda um Luís biográfico, contador de histórias da sua própria vida, cujo livro mais significativo talvez seja o Degraus. Aqui, o Luís é, por vezes, quase criança, estatuto que, aliás, nunca abandonou, com todas as vantagens e desvantagens que isso possa acarretar. O Luís continua uma criança grande que carrega eternamente a sua própria infância:



Via os outros
Chamavam-me
Mas eu não podia sair
Era um menino bem comportado.

À janela
Ouvindo pássaros
Vendo gente e árvores
Mas a querer ir com
Os outros, ir com
Os pássaros de lugar
Em lugar a desinquietar
Os meninos fechados em casa
Para serem bem comportados.

(À Janela in Geografia dos Afetos)

Este seu estatuto de criança permitiu-lhe ainda escrever para estas. Calculo que na dificuldade da linguagem própria das crianças, ele se sinta dentro da sua própria essência. Para quem não conhece recordo livros como A Princesa Joaninha e o Lagarto Saltitão, Azedal Sarzedar e a Manhã de Abril, A Rapariga das Magnólias, A Janela do Armador, O Mistério da Rua Suja, O Sonho de Timor e Flor de Sementinha.

E o amor… que poeta não escreve sobre o amor? Nos poemas de amor do Luís somos eternamente jovens, mas ao contrário de Dorian Gray, de Wilde, assumimos os dias que desenham as suas marcas no corpo que envolve uma alma sem idade:

Esta noite, na velha pedra das igrejas
As estrelas vão florir longe da água
Dos nossos olhos. Já não somos esses
Dois sorrisos que ofereciam sonhos às
Estátuas…

E se ainda deixamos pegadas na memória
De antigos versos, é porque teimamos
Em rezar a uma lua que é sempre bela.

(Jardins de Outono in Caligrafia do Silêncio)
Longe de ser exaustiva relativamente aquilo que é o Luís e a sua poesia, saliento apenas o carater experimental da sua atividade poética. O Luís sai da sua zona de conforto e arrisca ser diferente, seja através das pinturas em toalha de papel que desenha com café, seja através de uma brincadeira que há anos inventámos e que autodenominámos “manancialismo”. Ousámos então, nessa altura, sermos os percursores de uma nova corrente literária que consistia na construção de poemas a partir de um manancial de palavras que considerávamos significativas do ponto de vista poético. Julgo que foi por essa época que, em conjunto com mais duas amigas, escrevemos um livro de 69 quadras dedicadas às galinhas, que se chamava O Suave Milho D’Outrora, de que guardo religiosamente o manuscrito escrito pelo Luís. É coisa para dar cabo de qualquer reputação poética. Os poemas manancialistas não eram, portanto, nada de espetacular, mas esse exercício ajudou-me a crescer na arte da escrita e também contribuiu para que hoje consiga apresentar com alguma leveza e fluência esta articulação de palavras que hoje aqui vos trago.

Finalmente, existe claramente uma evolução poética, ao longo do percurso do Luís. Assim, não poderei afirmar que este é o melhor livro do Luís. O que vos posso dizer é que é um livro que vale a pena ler, mas acreditem que a poesia mais recente do Luís é ainda melhor. Embora sendo naturalmente um poeta, hoje ele é um poeta qualitativamente melhor, a sua técnica aprimorou-se e a maturidade trouxe-lhe a lucidez e a arte que só anos de vivência permitem a quem os sabe aproveitar.
Os anos e os laços que nos unem permitir-lhe-ão desculpar-me a inconfidência de vos dar a conhecer um poema de há já muitos anos, belo como tudo o que o Luís escreve, mas onde a diferença entre a poesia da juventude e a da maturidade estão patentes, embora a identidade que o constitui nunca o tenha abandonado:
A Língua

Sem ela o homem
Não podia dizer sol

Sem ela o menino
Não podia chamar
Amigo ao outro menino

A língua
É um pássaro
Que vai até
Onde nós quisermos
Reitero o que disse no início, é-me difícil, pela proximidade, fazer uma apreciação da poesia do Luís. Não o vejo como poeta. Para mim o Luís é o Luís e ponto final. Mas ontem fiz um esforço e com os seus livros na mão, embora não tenha gostado de todos de forma igual - tenho, entre eles, alguns amantes secretos -, pensei ou, mais do que isso, senti, juro-vos que senti que tinha nas mãos um dos melhores poetas portugueses.

 
Cristina Pombinho
29 de outubro de 2015