"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, outubro 25, 2014

Bem Hajas Marta Sofia, estrela das mais cintilantes!



 

No final deste sábado de Outono, uma notícia terrível surgiu no meu caminho.
Marta Sofia, uma menina linda e ternurenta, actriz com muito talento, que integrou vários elencos do Grupo Dramático e Escolar "Os Combatentes", partiu, quando a manhã raiava, devido a um acidente de automóvel.
Perda enorme para a família (a quem apresento a minha solidariedade), perda grande para a colectividade, para os amigos, para todos os que a conheciam e gostavam de assistir aos improvisos inteligentes e bem humorados, em palco. Ou que privavam com a jovem, que era uma força da Natureza e a todos cativava com a sua delicadeza.
Parece-me de toda a justiça que a actual direcção do GDEC estude a possibilidade de colocar a sua fotografia no Museu da Colectividade e uma placa no salão, evocativa da passagem pelo seu palco desta artista que enriqueceu a galeria dos amadores de Teatro.
Partilho nestas palavras sentidas a saudade que esta amiga deixa no percurso de todos os que com ela se relacionaram ou se deliciaram assistindo às cenas que protagonizou em diversas revistas.
Sabemos que esta noite o céu ganhou uma nova estrela, de certeza das mais cintilantes.
Sabemos que as palavras não chegam para dizer a devastadora dimensão do que sentimos.
Bem Hajas, Marta Sofia pelo rasto que deixaste neste mundo, pelo muito que nos deste.
Um beijinho muito carinhoso à Mãe Alice.

Luís Filipe Maçarico
(fotografias do arquivo do blogue "Águas do Sul")

segunda-feira, outubro 13, 2014

Elvira, Página Viva de Literatura


 
Da janela do sótão dos criados, a velha que acudiu a cinco gerações, espreita o tempo e deita o olhar no Douro serpentilíneo que o patrão escritor cantou.
Saudades tem desse senhor, que comprava tabaco para os jornadeiros dos vinhedos, a gastar a vida nos socalcos.
Saudades das falas brandas, do doutor de leis, que amou várias meninas vistosas e repartia a mesa com os servidores.
Elvira é um sol gasto de músculos e gestos tolhidos por geadas e sóis, que moldaram um rosto ainda enluarado por lágrimas de ternura, pois no lugar do coração tem uma fonte de mel. 
Elvira, nascida nestes socalcos de xisto, espera os viajantes, incautos, que pretendem conhecer a casa recuperada e inaugurada com pompa.
As primeiras palavras destinam-se a espantar os curiosos. Que não, que durou um dia a abertura da casa a um público seleccionado, com exposição de objectos, retratos, móveis e livros, como aquele "Evasão", onde o homem de teres e haveres pergunta à maneira de Brecht, quem construiu as casas, as pontes, quem trabalhou a terra para o rico ter sustento sem esforço e poder para mandar.
É uma mulher da terra, sequinha de talhe mas ainda escorreita no andar.
O mundo de Elvira, é aquela casa, com caramachão romântico enredado em arbustos e árvores e lago com peixes, por onde crianças e jovens devem ter solto gargalhadas e brincado muito.
Os seus olhos viram um corropio de personagens, as suas mãos pentearam meninos e donzelas, trouxeram meninos ao colo, ampararam anciãos, cumprimentaram visitas de gabarito.
Naquele local, onde  - no dizer de uma escritora que também por lá viveu - a casa, parece um barco encalhado, Elvira, com os seus olhos de eterna mãe protectora, é uma página viva de Literatura, entre couves e vinhas, corredores, quartos e salões, memórias e esquecimentos...
Ao longe, o seu sorriso, diz-nos adeus...

Luís Filipe Maçarico

Penaguião, 10-10-14

terça-feira, setembro 30, 2014

AVÓ TI MARIA PIRES

 

 Elas continuam vestidas de preto,
Como no poema de Eugénio.
As velhas da Beira Baixa
São girassóis nocturnos que se acendem
no sol da tarde.
Vultos gregos, oráculos, envoltos
numa caligrafia de nuvens...

Ti Pires tem uma memória prodigiosa,
cita nomes e lugares, momentos, 
numa mistura de factos 
que evaporam o tempo...

Elas continuam mergulhadas
em tecidos azeviche
Furtivos corvos na paisagem...

São ainda as musas de fotógrafos e escritores
As suas vozes ecoam
no vento da Gardunha.
São clarões de resistência, entre fraguedos.
Majestosas Deusas do silêncio.


Luís Filipe Maçarico 30-9-14

quinta-feira, setembro 11, 2014

A Tragédia da Rua dos Peixes Bicudos


Nini era filha de um guarda de passagem de nível, sem guarda, e de uma vendedeira de preservativos libelinha ( o prazer de um orgasmo com asas), escondidos entre marmelos e violetas, na canastra.
Um dia conheceu um mono, que estava morto sem saber, Mémé, da idade da sua filha Caló, que sofria de gases e ataques fulminantes, por causa de ser alérgica à Coca Cola, mas que não conseguia resistir a beber litradas daquele refrigerante, peidando-se, arregalando os olhos e vomitando chumaços de beatas lambidas nas fúrias.
Quando ficava possessa, Caló que queria ser Tójó, partia tudo o que tivesse à mão (ou ao pé).

Naquela noite os amantes desentenderam-se e Mémé aplicou um soquete na moleira de Nini, que uivou de dor. Caló estava por perto e reagiu. As goelas ficaram escancaradas a grunhir. Ouvia-se em Portimão e os pescadores tiveram de trazer os barcos para o cais, tais foram as vagas. na sequência da gritaria sobrenatural.
Umas fadistas castiças, que se preparavam para gargarejar saudades da lisboa antiga, perderam os xailes e as dentaduras, levados pela ventania de cromossomas perdidos, que irrompeu com a berraria intermitente.
O Rei dos Pipis foi empurrado, quando tentava servir uma mesa, que foi regada com sangue fresco.

Mémé fugiu para um autocarro vaivém.
A filha que quer ser filho e a mãe que esgotou as palavras simpáticas dos bêbados do bairro, tal é o pesadelo da sua aparição, foram com a ramona.
E o Rei dos Pipis seguiu no 112 para tratarem do lenho.

As cuscas ainda estão no banco das versões e a história (que parece real, que parece inventada) que vos contei, já tem tantos pontos que são mais que as mães os contos.

Esta é a Rua dos Peixes Bicudos. Como diz a vizinha do lado, janela com janela "já viu que não somos nada? Quem diria que o Rei dos Pipis havia de partir a cabeça esta noite?"

NOTA: Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

LFM (texto e fotos)

quarta-feira, setembro 03, 2014

Carta aos Serviços Sociais da CML


Exmos Senhores:

Tenho hesitado em responder à vossa correspondência, no sentido de filtrar a indignação e apenas reagir quando houvesse abrandamento do espanto...

Quando me remeteram uma primeira missiva (6-5-14), a qual recebi só em Junho e à beira de passar umas semanas em Alpedrinha, pois o meu correio está retido nos CTT (a sete paragens de autocarro, pois acabaram com o posto perto de casa), já não pude responder.

Lamento que desconheçam que há aposentados, que não podem ser formatados. Para meu bem estar espiritual, ainda bem que não me enquadro no vosso imaginário, sentado à espera das vossas drásticas decisões (mostrei a vossa carta à minha farmacêutica, que ficou surpreendida com a linguagem utilizada).

O facto de terem retirado os "benefícios", por não ter respondido de imediato, levou-me a fazer contas. E eu que não questionava a minha permanência, tomei a seguinte decisão:

Não contem mais comigo, pois um serviço de assistência médica, que exclui e ameaça, não merece a minha adesão.

Passem bem!

Luís Filipe Maçarico

(ex-utente de décadas 18502)



Texto e imagens de LFM

sexta-feira, agosto 22, 2014

O Tempo das Cigarras

1. Tem o sabor das amoras, o tempo das cigarras.

2. Ardem no seu canto, pelas tardes de Agosto.

3. Celebram o sol, na pele das palavras.

4. O vento folheia páginas.

5. Flautas de luz derramam-se, dentro da sombra.

6. As maçãs incendeiam o sangue.

7. As cigarras mordem o silêncio.

Luís Filipe Maçarico (palavras e fotografia)



terça-feira, agosto 19, 2014

A Propósito de Algumas Festas Inventadas em Portugal


Por todo o lado e desde há anos, revive-se o Passado ou evoca-se o Outro, de forma exotizada, para agradar a Gregos e Troianos e proporcionar uma boa afluência de visitantes, integrando nas agendas turísticas esses eventos.

Por vezes, é em torno de uma realidade contemporânea, em mudança, como a Transumância, ou o chícharo.
Outras, é a memória de patrimónios históricos, que ressurge: Feiras Medievais, Festivais que têm o imaginário islâmico como medida, celebração de Forais, etc.

Uma panóplia de animadores circula pelo país, integrando novas profissões, decorrentes destas celebrações, que alguns investigadores notam ser uma forma da população evadir-se de um quotidiano infeliz, com o galope do desemprego, dos cortes nos salários, dos aumentos de impostos e suas consequências nefastas.

A beleza e harmonia do Festival Islâmico, com a Comunidade local e intervenientes árabes (vendedores e músicos) oriundos do Norte de África, concebido para a secular Mértola, de dois em dois Maios, é diferente da Feira Medieval de Silves, onde a representação de torneios, perseguições e pomposos desfiles, presentes na festa inventada, marca o evento, com a celebração do lado guerreiro do antigo reino cristão.

Em Faro e Sintra, para dar o exemplo de dois palcos mais recentes, do folclore pseudo mourisco ("Arabian Days"), ou em Castro Marim (celebração com alguns anos de realização), a saga da animação repetitiva impera.

Nunca fui a Vila da Feira, onde me garantem estar sediado o Festival mais credível, em termos da ressurreição das evocações medievalistas. Estive o ano passado em Sortelha, onde também se festejou o tal passado imaginário.

Há nisto tudo um dado positivo:
1- para a retoma, pois é dinheiro que é aplicado na vida das Comunidades, circulando, através das tasquinhas e lojinhas, onde se provam pitéus e se guarda o "souvenir", para familiares e amigos.
2- Os artistas alternativos actuam: Por vezes, elas, dançando a dança do ventre, enquanto eles interpretam melodias trovadorescas, recolhidas em cancioneiros ancestrais.
3- Os jovens ficam a saber qualquer coisa de História, recorrendo depois, se houver curiosidade para isso, aos livros ou à net.

Vivam as recriações Históricas, que as Feiras e Festivais genuínos proporcionam!
Vivam os Municípios e outras entidades, que os promovem!
Vivam todos os participantes!

O problema reside naqueles festejos, que deixaram de ter a orientação inicial e se transformaram em meros momentos de desbunda alcoólica, que acabam por não prestigiar, nem as organizações, nem os frequentadores.


Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)