"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, novembro 27, 2013

DOIS ESCRITORES E O DOURO.

É a região do Douro uma escultura única, produzida por milhares de seres humanos, ao longo de gerações.
Os socalcos falam-nos da luta de trabalhadores rurais, que com os seus braços e com pegada ardente, plantaram vida. Respiração do futuro.
Ao longo de séculos, pedra a pedra, torrão a torrão, as vinhas cresceram, multiplicaram-se, no milagre de uma paisagem humanizada. E tingiram-se de verde ou dourado, conforme a época, acompanhando o tempo, chuvas, sóis, ventos, frios. Do cobre ao cinza, a tela da existência palpitou, com a cor do rio serpenteante, marcando o espaço.


Dois homens da literatura, cujas vidas podem ser comparadas a essas escadarias rasgadas na Natureza, souberam retratar como poucos na nossa língua, o afã dessa gente.

Alves Redol, na sua triologia Port Wine, acompanhou a saga das transformações do território e a sobrevivência desse povo heróico. Embora deslocado do seu Ribatejo, soube olhar e descrever aquela realidade, a fraternidade entre explorados. Horizonte Cerrado, Os Homens e as Sombras e Vindima de Sangue são romances dessa fase... tal como Porto Manso.

 João de Araújo Correia, na sua vivência desde criança, por terras tão familiares, como médico e escritor, conheceu a alma duriense intensamente e teceu textos incontornáveis, deixando-nos uma obra ímpar, que felizmente uma Tertúlia no Facebook partilha. Deixo aqui o endereço electrónico, para poderem desfrutar:

 E também dois excertos das suas obras:

A TRAGÉDIA DAS ÁRVORES

A tragédia das árvores… Se eu fosse poeta cantá-la-ia em mil cantos repassados de dor. Já repararam no divórcio da árvore e do homem, no abismo que os separa? Dir-se-á ser a árvore como a mulher que nos adora e se esmera durante a vida para nos merecer um sorriso forçado. A guarda-roupa infinita dos seus vestidos, nem pela enormidade nos deslumbra a nós, modernos, eivados todos do delírio da grandeza. As suas atitudes, ora humildes, ora altivas, assim como os seus gestos de afagar e de oferecer, nem gratidão, nem respeito, nem piedade nos movem. Nas suas bocetas há perfumes orgíacos, um aroma para cada sensualismo. Inebriaram os deuses. A nós enjoam-nos. No âmago dos frutos dormem filtros que as pobres feiticeiras reputam infalíveis para prender os homens. Debalde sorvemos os sucos letais. Será o orvalho de que as árvores se aljofram choro de desespero? E a nossa brutalidade de fadistas? Sabem como se castiga a árvore que nos perturba o sono com um gemido, que nos arremessa ao rosto um punhado de folhas secas, que mexe na pedra de um muro? Matando-a. Nem lhe perdoamos que a sua ramaria nos amorteça o ardor do sol. Podia lembrar-nos que não sustentaríamos o olhar da nossa amada, sem a doçura dos seus longos cílios. À árvore nada se agradece, nem nada se perdoa. É como a mulher que se enamorou de nós. Pode enfeitar-se ou desleixar-se. Indiferença trágica …Ou é bárbara ou a nossa civilização é tal, que nos permite viver sem beleza, sem graça e sem amor.

CORREIA, João de Araújo In SEM MÉTODO






“É [o Douro] um rio louco, que abriu caminho em fúria por entre montes gigantes e, obstinado, quis ir ver o mar. E chegou. Cansado, mas chegou,
Em toda a jornada lutou sempre com o penhasco e xistos, com fraguedo e granito, dando a cara a tudo aquilo que lhe quis barrar o caminho. E os homens das saus margens aprenderam este sentido de luta. Construíram os seus barcos e ofereceram batalha ao rio enlouquecido e raivoso no trovelinho das suas águas traiçoeiras.
(…)
É um caminho de alucinações e de sonho – cansa e conforta.
Por isso os marinheiros se apaixonam por ele como por uma mulher de mil feitiços. Dão-lhe tudo(…)
O Douro, porém, chegou cansado para ver o mar.”
REDOL, Alves, Porto Manso


Há homens que morrem duas vezes, perante o esquecimento.
Ferreira de Castro, quem o recorda, contando a epopeia dos emigrantes no Brasil em "A Selva"?
Manuel Ferreira, porque está o seu romance "Hora di Bai" tão olvidado?
Bem hajam então, os filhos dos dois escritores que referi, face à beleza das obras que os pais escreveram, acerca do Douro e suas gentes, pela divulgação que promovem, incansavelmente, honrando a passagem daqueles seres especiais, pelo desconcerto do mundo...
A ler, urgentemente, neste tempo de labregos que flagelam a língua. Para limparmos a alma, com o seu olhar e a sua escrita luminosa.

Luís Filipe Maçarico (introdução e selecção de textos)
Fotografias de um álbum de viagem,  na região duriense.

terça-feira, novembro 19, 2013

ARMINDA PALMA

Escrevo de improviso e debaixo da emoção.
Um dia, fui contactado por uma alentejana risonha, que vivia perto de Lisboa, era professora, adorava a cultura do sul e que afirmou querer conhecer-me, pois lera textos de minha autoria, dos quais gostara. Queria conhecer o autor. A ver se "a bota batia com a perdigota"...
Conhecemo-nos num Desfile, a 25 de Abril. Já lá vão alguns anos...
Apresentou-me o marido, que a acompanhou até ao fim.
Ela amava a vida, achava que a crueldade era algo de outra galáxia e, quando lhe descrevia certos absurdos, não se continha, considerava que era demasiado surreal...
E eis que o surrealismo tomou de assalto o país, e, de repente a sua própria vida.
Ainda tive tempo para a convidar a almoçar comigo, nos Duques, restaurante popular, situado no começo da Rua do Alecrim. Partilhei livros, poemas, artigos. Corrigiu um ou outro erro, que por vees, sem me aperceber, cometo. Também me vai fazer falta por isso...

Facultei contactos de gente boa, que faz o Alentejo andar para a frente, num tempo em que são mais os escolhos, que os horizontes luminosos. Numa rádio do sul, entrevistou alguns deles. Foi correspondente de uma antena de emigrantes na Suíça.
Vi as imagens, que ao longo dos anos foi colocando, na sua página Facebook, enquanto Maria do Mar ou Esteva, pseudónimos que usou, para assinar as suas delicadas palavras, acerca da terra e das gentes que trazia no sangue fraterno. E gostei do seu afã, do voluntariado, da alegria que buscava teimosamente.
Soube, entretanto, que a doença a atacara com violência.
Acompanhei o doloroso percurso. Esperançámos, apesar dos obstáculos. Ainda há pouco tempo telefonou-me para dizer que resistia, que enfrentava com muita força o Mal que a agastara no Verão, mas que iria renascer!

Não esperava deparar-me com a notícia chicoteante, tremendamente injusta, que nos estremeceu por estes dias.
Onde quer que tenha ficado o espírito, daqui lhe aceno com uma espiga e uma papoila, sabendo que entre brisas e estrelas, estará o riso da Arminda Palma, a amiga  das palavras e das emoções genuínas, que partiu com os olhos embalados pelo Alqueva e o coração apaparicado pelos horiontes desmedidos da Planície Eterna.

Luís Filipe Maçarico (texto e foto)




segunda-feira, novembro 04, 2013

A Encomenda

No passado dia 2 de Setembro, após uma experiência que correu muito bem, no site da Amazon, pedi a um colega que fizesse nova compra on line, desta vez a uma livraria francesa, para aceder a um livro, sobre batentes de porta e respectiva simbologia.

Começou então uma saga. Como estava a trabalhar durante o dia, pensei que a encomenda fosse entregue nos Correios.

Porém, não só ninguém tentou contactar-me, caso alguma empresa distribuidora, tenha batido à porta, e, ao contrário do que dizem no site "Colissimo", a encomenda, o colis, não foi deixada nos CTT, à espera de mim. Porque, com muita regularidade, no posto onde agora tenho de me deslocar (sete paragens de autocarro, da minha casa até lá), face ao encerramento da estação onde desder miúdo ia ao correio, perguntei se tinham alguma embalagem para mim...Nada de nada!

Graças à minha amiga Yvette, que conheci na ilha de Jerba, na Tunísia, foi possível contactar a livraria e o colis que tinha sido devolvido, graças à intervenção dela e à gentileza da funcionária com quem falou, pôs-se a caminho no meu dia de anos.
Dia 30 saiu do território francês...E hoje, segunda feira dia 4 ainda não chegou...

Telefonei, entretanto, para uma empresa privada de distribuição destes objectos. Que tem indicativo 707 (vampirismo telefónico!)...e a resposta foi nada!!!
Nos CTT disseram-me que pode ser uma outra, e que essa funciona muito mal, que há queixas...
Antevejo neste problema o que vai suceder quando os Correios Portugueses forem privatizados.
 E não gosto desta novela, que é um labirinto.

O pior é que há dois meses, descontaram de imediato os euros, correspondentes ao valor do livro e aos custos de expedição. 
E passado todo este tempo, nenhum vestígio do colis.
O prazer de folhear esse livro tão ansiado, devido à incompetência de alguém, foi adiado e nem sequer sei se alguma vez acontecerá...

Desde há quase uma semana, a porta do imóvel ostenta uma solicitação, para deixarem rasto, os misteriosos transportadores, acerca do sítio ou telefone, onde posso procurar a desejada obra...
 

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)


quarta-feira, outubro 30, 2013

Sessenta e Um Anos







É o Outono que espreita
no frio súbito, a chuva
deu lugar ao sol de Outubro.

Gostava de viver num país
de eterna Primavera onde
os amigos chegassem, inesperados
como papoilas matinais
 
aquecendo o coração.

Para brindarmos à Vida.

Nasci para este tempo
Suporto o vento, ao vosso lado.
E sonho que é Abril
ainda...

 

29-10-1952, sessenta e um anos depois...



Luís Filipe Maçarico

quarta-feira, outubro 23, 2013

Menoridade

 

Aos Amigos António Prata e Jorge Cabral

Que povo é este, que papagueia o que as senhoras Isabéis Jonets, os Passos e os Portas repetiram / impingiram, vezes sem conta?

Durante longos meses, escutámos o que esses "devoristas" (para empregar um termo, utilizado hoje por Santana Castilho, na sua crónica do Público), bolsaram, dia após dia, culpando o mesmo povo, que os elegeu - e que dentro do seu universo acrítico e conformista, aceitou, como verdade, tal mentira...

Para ajudar a manter essas pessoas, impávidas e dormentes, existe aliás um séquito de comentadores, que invadem o seu quotidiano, "interpretando" a actualidade, opinando, como se a política da governança fosse um mal irremediável, injectando as suas reflexões impositivas, que são tudo, menos independentes.

Deste mal estar inculcado, terá nascido certamente a triste frase, dita e redita, até à exaustão, "Viver um dia de cada vez"...

Quando era jovem, jamais escutei tal "máxima", digna de uma historieta sem moral, de ratos assustados e não de gente que tem filhos, projectos e sonhos.

Se os que nos antecederam, avós e pais, pensassem desta maneira assustada, não estávamos neste mundo, certamente. E o tempo deles terá sido bem pior que o nosso...

Quando será que esta parte de pequenez, menoridade e medo, de falta de amor-próprio e ausência de ambição, será substituída pelo prazer de Ser?
Quando será que o povo fecha a televisão, recusando seguir os ditâmes dos politiqueiros de meia tijela, que enxameiam o écran?
Quando será  que a reverência termina e os que prejudicam a Comunidade ficam só com os votos da família e dos comensais?
O que é preciso acontecer mais para o Povo acordar?

LFM (texto e foto)

A Realidade

"Tudo o que temíamos acerca do comunismo - que perderíamos as nossas casas e poupanças e nos obrigariam a trabalhar eternamente por escassos salários e sem ter voz no sistema - converteu-se em realidade sob o capitalismo"

Jeff Sparrow

Esta frase, retirada da página Facebookiana de Michèle Boulier Faro, exprime bem a pertinência dos que recusam a prepotência actual dos Governos, cuja globalização ofensiva empobrece, cada vez mais, aqueles que possuem escassos recursos, decorrentes dos proventos do seu trabalho, esmagando os mais fracos, como é o caso dos idosos.

Nascido em 1969 em Melbourne, Austrália, o escritor Jeff Sparrow é um activista dos direitos humanos.
Eu não diria melhor!
LFM (texto e foto)


terça-feira, outubro 01, 2013

Rua Prior do Crato ou quando a cidade despreza os seus velhos




A rua Prior do Crato, na cidade de Lisboa, definha, em termos de comércio, desde que a Troika entrou em Portugal.
Tal como a Rua dos Fanqueiros. Tal como as ruas do Couço, ou de muitas localidades do interior.

Hoje soube que a Farmácia Bairrão, - onde desde pequenino encontrei os remédios mais eficazes, para as maleitas de seis décadas, - vai encerrar.
Sucedeu o mesmo com outras marcas, como foi o caso da centenária tipografia Liberty ou da loja Singer, que pouco a pouco fecharam, dando lugar a surtos de cabeleireiros e compra de ouro.

Chineses, nepalenses e paquistaneses, apareceram nesta rua, sucedendo a estabelecimentos de comércio tradicional.

Há meses atrás, perto desta artéria, fechou, sem aviso prévio, a estação dos CTT das Necessidades, muito frequentada, face à proximidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros...
Pobres idosos, sem CTT para levantarem a pensão e se farmácia para aviarem os medicamentos.
Agora tem de se andar sete paragens de autocarro (773) para tratar dos assuntos que só podemos tratar numa estação dos CTT...Quanto às farmácias alternativas, às quais se recorria, em dias de folga da Bairrão, começam a ficar diariamente distantes...

Já agora, venham à Rua Prior do Crato (freguesia de Prazeres) fazer uma visita turístico-bizarra e constatem como todos os dias os idosos caiem... eu próprio já torci os dois pés e tive de andar um ano na fisioterapia. 
Motivo: acabaram com os calceteiros municipais e agora empresas "especializadas" - cujos funcionários são cabo - verdianos e ucranianos, mão de obra barata e sem experiência, - têm a incumbência de reparar os buracos. 
Em vez de aplanarem o piso, compõem o espaço à maneira deles e ficam conchas, declives, abismos calcetados. 

Tenho medo de andar na rua, também quando não chove há muito tempo, pois o passeio fica polido e as quedas são também uma evidência. Aconteceu-me há semanas, felizmente sem consequências...

Os passeios artísticos, que alguns autarcas, de cú tremido, quando saiem dos gabinetes, tanto enaltecem, são muito bonitos, para aparecerem em postais ilustrados ou em livros, para oferta de prestígio, fotografados de preferência durante uma viagem aérea...ou seja, distantes, como convém...

Lisboa já não é lugar para se viver com alegria...nem sítio recomendável para velhos!


Luís Filipe Maçarico