Permito-me, face à vulgar utilização de terminologias erradas, no que concerne a determinados utensílios, designadamente aos batentes, em forma de mão, esclarecer os leitores interessados, com uma transcrição de parte da minha dissertação, no âmbito do Mestrado "Portugal Islâmico e o Mediterrâneo". Trata-se de trabalho científico, que obteve 17 valores e foi avaliado por Professor Doutor Joaquim Pais de Brito (arguente, director do Museu Nacional de Etnologia), Professor Doutor Cláudio Torres (orientador, director do Campo Arqueológico de Mértola, Prémio Pessoa 1991), Professor Doutor Luís Filipe Oliveira (Co-Orientador, Membro do Instituto de Estudos Medievais da UNL; Professor Aux. da UALG) e Professor Doutor António Rosa Mendes (Presidente do Júri, Presidente da Faro Capital da Cultura, 2005).
Partilho (Págs 104-105 da dissertação intitulada “A MÃO QUE PROTEGE E A
MÃO QUE CHAMA: ORIENTALISMO E EFABULAÇÃO, EM TORNO DE UM OBJECTO
SIMBÓLICO DO MEDITERRÂNEO”):
"Na sua tese de licenciatura, Hafid Mokadem, clarifica:
“Les heurtoirs facturés en mains stylisées, qui enssyit leur vogue, dans les portes modernes du XXème siècle, n’ont presque rien en commun avec l’amulette décrite précedement (la main stylisée) Il s’agit d’une main fermée dôtée d’une bague et d’un bracelet garni des rosaces, tenant un galet poli (…) Cette composition est sans doute étrangère à l’art marocain et à la tradition graphique populaire, bien qu’elle assume le même role protecteur. C’est sans doute une imitation consciente des heurtoirs européens modernes.” (Mokadem, 1992: 69)
Efectivamente, em várias intervenções - nas aulas do “Mestrado Portugal Islâmico e o Mediterrâneo” e durante o lançamento do livro “Aldrabas e Batentes de Porta: Uma Reflexão Sobre o Património Imperceptível”, Cláudio Torres deitou por terra as conjecturas, que situavam aquela mão no período da dominação árabe, remetendo para esse passado a génese de tais batentes, com o argumento, o facto de haver exemplares, no sul da Europa e no Norte de África.
A sua existência em Portugal, parece dever-se à influência francesa, na arquitectura dos edifícios construídos, em Lisboa e no Porto, na transição do século XIX para o século XX.
No nº 7 do boletim da “Aldraba”, Associação do Espaço e Património Popular, e com o título “A Linguagem das Portas”, foi divulgada a posição do professor Cláudio Torres:
“A Mão de Fátima, entre nós, é recente. A Mão - batente é fenómeno recente, século XIX. Antes disso, não conheço. Creio que essa representação da mãozinha (com a influência da orientalização que dominou o nosso imaginário) será romântica…” (Torres: 2009: 4)
Na referida tese, que pode ser consultada no Campo Arqueológico de Mértola, são apresentadas diversas provas da designação abusiva (Main de Fatma) do utensílio Hamsa (Mão, em Árabe) que a Comunidade Islâmica de França considera folclorização, havendo vários autores a explicar que os colonialistas franceses, ao verem criadas árabes, usando Hamsas, começaram a chamar Fátima a todas, como aqui no Estado Novo uma Natália ou uma Elisa passavam a ser chamadas de Maria. O penduricalho, o brinco, o suposto talismã, passou a ser designado pelos colonialistas gauleses como a Mão de Fátimas, tentando forçar a ligação com o sagrado, fazendo passar uma história das Mil e Uma, dizendo que elas veneravam a filha do Profeta...
Quanto à Mão Fechada, basta ler o Corão, referido na pág. 46 da minha tese, a saber:
"No Corão, a mão de Deus é apresentada com parcimónia, falando-se das Mãos Criadoras e largas, distribuindo graças e bens e possuíndo a Soberania de tudo. A Mão dos Profetas, a Mão dos Crentes e a Mão Direita completam as referências positivas à Mão (cerca de vinte). A Mão antagónica está na Mão dos Infiéis, dos Judeus, dos Avaros, dos Injustos, dos Malvados, Idólatras, Ladrões…
Fundamental é a Sura Quinta (a Mesa Servida) versículo 64, onde de forma muito clara, se expõe a diferença entre Mão Aberta e Mão Fechada. “Os Judeus dizem: “A Mão de Deus está acorrentada. “Que as suas mãos estejam acorrentadas e que eles sejam amaldiçoados pelo que dizem! Não, as Suas (de Deus) estão estendidas e Ele distribui os seus dons como entende.” (Corão, sur. 5: vers. 64)."
Como entender então, que o batente em forma de Mão fechada tenha alguma coisa a ver com a Civilização Islâmica?
Não se pense contudo que se está aqui de má-fé, pois na referida investigação é produzida (Págs 93-94) uma Autocrítica, nestes termos:
"Em “A Função Antropológica da Aldraba”, e baseando-me nos escritos de Adalberto Alves e José Alberto Alegria, garanti que:
“Para os muçulmanos ter a representação da mão da filha do profeta Maomé em casa, é, ainda hoje, garantir a protecção certa contra os maus-olhados, consistindo, igualmente, uma forma de assumir a religião, pois os cinco dedos de uma mão, ligada ao sagrado, personificam os cinco pilares do Islão: fé, oração, peregrinação, jejum e caridade.” (Maçarico: 2003)
Face ao interesse que o tema me despertou ao longo do tempo, nestes últimos anos verifiquei, através do seu aprofundamento, com novas leituras, devido ao conhecimento que o Mestrado “Portugal Islâmico e o Mediterrâneo” me proporcionou e pelo inevitável cruzamento da documentação recolhida, alargada a autores magrebinos, que aquela afirmação , estaria mais próxima da efabulação que da verdade.
A presente dissertação visa também trazer luz sobre o assunto, assumindo o signatário a auto - crítica, pela falta de rigor com que produziu aquelas afirmações, não questionando a escassez do seu conhecimento relativamente às fontes, o que impediu o contraditório, induzindo assim em erro outros autores, que depois de si e baseando-se no que defendeu, seguiram o rasto do equívoco."
Luís Filipe Maçarico (texto) Clara Amaro e LFM (Fotografias)