"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, novembro 17, 2009

Irmã Coragem


Isabel Mendes Ferreira chamou-lhe "Nuvem", talvez por ser uma rapariga discreta, ao longo de um almoço que tivemos os três no Henessys (quando eu e a Vanda comíamos umas batata fritas de uivar de prazer e gula)... Eu chamo-lhe, apropriando-me do título de uma peça de Brecht, "Irmã Coragem"...
Estivemos juntos na tarde desta segunda feira chuvosa, num chá e numa sandes de queijo, tomados à saída da Maternidade.
No riso partilhado. Em preocupações, que até são cómicas nalguns pormenores, com o novo comportamento alimentar que se impõe para ambos.
Mas o melhor de tudo, é sabê-la corajosa, resistente, disposta a resgatar dos dias futuros a vida que gosta de sorver, gomo a gomo, ou não fosse ela uma jovem no esplendor da idade.
Ela é, como lhe disse há dias num sms, aquela estrelinha carinhosa, irmã de sonhos, gotinha de água cintilante, que nesta paisagem de Outono derrama ternura diante do nosso olhar.
Transmiti-lhe o afago dos que aqui escreveram - e de tantos outros, que pessoalmente têm desejado a vitória da sua luta.
Frente aos seus olhos cor de amêndoa, muito bonitos e meigos e do seu sorriso de menina, constatei como pode ser grande uma mulher, que não é capa de revista, nem tem nome de rua, que não é famosa por trinar ou posar escandalosamente.
Muito mais importante, para mim, é esta cidadã anónima, não fora o blogue ser indiscreto, divulgando que ela existe e é muitas mulheres sem rosto, que precisam do amor de todos os que verdadeiramente se importam com a alegria de um ser humano e dão valor aos laços de amizade.
Obrigado, Vanda, por esta tarde!
Luís Filipe Maçarico (texto e foto)

segunda-feira, novembro 16, 2009

A Baiúca do Jámé,os Veneradores de uma Homenageada (ex e ex) e a Morte Anunciada de Mais Linhas de Comboio, numa Planície com Demasiado Silêncio




Está na edição do Público de hoje que um grupo de cinquenta homenageadores de Ana Paula Vitorino, ex-secretária de estado dos transportes, pagou do erário público uma festança num hotel para celebrar a passagem da senhora pelos valores mais altos que se levantam... Morra Marta, morra farta!

Entre outras inovações, esta gente (gestores dos caminhos de ferro) anunciou o fecho, dito temporário, da linha de Évora e Beja, para a Refer proceder a modernizações. É curioso verificar que quando procederam a idênticas obras na linha do Algarve, as composições não pararam de circular...

A senhora ficou-me na memória, pois quando era gestora (como os seus actuais veneradores) respondeu - com a agilidade e o espírito inovador que a caracteriza - à reclamação que fiz, contra o encerramento das bilheteiras no Fundão ao fim de semana e feriados.

Em impresso próprio da CP, após uma viagem com quarenta pessoas a protestar dentro do comboio, critiquei quem decidira a aberração, que era regressar a Lisboa pela linha da Beira Baixa, qual cobaia, apanhando desprevenido o próprio cobrador, motivando situações dignas do Terceiro Mundo que afinal também é aqui.

Aconteceu então pagar, como é normal, uma importância pelo assento, que passageiros entrados em Castelo Branco com lugar marcado convidaram a deixar, como se fôssemos bandoleiros e assim tivemos de ir mudando de lugar em lugar...até ao Entroncamento, nessa inesquecível viagem inaugural criada pela esferovítica massa (parecida com a cinzenta) da baiúca do Jámé.

Mas nesse dia ao chegar a Santa Apolónia, o meu protesto acabou por ser isolado, depois de tanto vitupério e queixume, que os outros prometiam, digno de um fado bem dolente...

Talvez por saberem que o povo português é feito de nhanha, a senhora (a exemplo dos seus chefes governativos) respondeu que eu tinha 3 hipóteses para ultrapassar o problema:
1- Comprar o bilhete de segunda a sexta;
2- Comprar numa maquineta (nesses dias avariada);
3- Comprar via Internet...
Foi uma boa carteira de novas oportunidades, tendo em conta a região agrícola do Fundão, com uma população pouco alfabetizada e envelhecida. Mas uns anos decorridos os Magalhães certamente que resolveram essas ninharias...

Pois é! Todos regressaram a casa descansados, na sequência desopilante de uns berros e insultos. Vociferantes é o que mais há. Consequentes, vejo poucos. Por isso, o país está como um cão atropelado, pelas mossas do caciquismo e banditismo económico, cujo elenco é de peso: desde os glamurosos ladrões da Higt Society até aos sucateiros, transversalmente infiltrados nos poderes decisórios, sejam eles autárquicos, económicos e da política mais upa upa...

No que concerne a Beja e Évora, não ouvi nenhum dirigente autárquico, nenhum jornal, nenhum partido, nenhum sindicato, nenhuma empresa, nenhum administrador sequer de carreiros de formigas, estudante, professor, comerciante, doente ou trabalhador no activo ou reformado, dizer o que quer que seja sobre o assunto. Devem estar todos à espera que encerre, para depois organizarem vigílias, manifestações, um livro e resmas de abaixo assinados exigindo o regresso do trem, com lágrimas tardias e declarações numa Assembleia perto de si.

Temos os dirigentes que temos, em parte pelo alheamento dos cidadãos na intervenção cívica que lhes cabe e descuram. Cada um de nós, assim como nos encomendam competência e eficácia, deve exigir ser tratado na mesma moeda, não deixando a solitários Quixotes a acção crítica e fiscalizadora que é de todos.

É por estas e por outras que gostava de ter possibilidades de me exilar e de cuspir na cara dos ladrões de sonhos. Estou farto de ser lixado e de ter de fazer um sorriso, - ou se quiserem, o chamado jogo democrático, que é ver o chicoespertismo a chafurdar no dinheiro que impede os outros de ter acesso (honesto) e restar-me criticar, protestar para nada suceder em termos de vislumbrar indícios de uma Sociedade mais justa... É certo que não estou só nesta luta, mas por quanto tempo mais vou ter de ver (com a única alternativa de poder desligar a televisão ou mudar de canal) os velhotes a dizerem que têm de escolher se gastam a pensão em alimentos ou medicamentos?

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

sexta-feira, novembro 13, 2009

Crepúsculo à Beira Tejo




Anoitece. Estes dias de Outono andam quase sempre sem luz, repletos de nuvens e tristes. Cada vez menos aprecio o Outono e o Inverno.
Se pudesse, ia para países onde fosse quase sempre Primavera e Verão...
No entanto, admito que esta época tem pores do sol, que são telas muito bonitas.
Antes de voltar a Mértola, para mais uma sequência de aulas, deixo este apontamento.

E uma palavra mais: há quem tenha desistido de ser estrela no céu dos meus sonhos.
Há muito que a poesia deixou de dizer que os olhos, a boca, os gestos, o corpo dessa aparição cintilavam e eram alimento para ganhar energia contra rotinas e cansaços.
Céu e sonhos agonizam.
Os ladrões de sonhos são inúmeros.
Começam nos governos, passam por chefias educacionais, militares, profissionais, de tanta coisa, que são especializadas em vampirizar os nossos dias.
E até certas miragens contribuem para nos arrancar o coração...
Mas eu falava... ah pois, do crepúsculo à beira Tejo!
Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

terça-feira, novembro 10, 2009

Absolutismo


Escutando e lendo as notícias constantes sobre a corrupção, que grassa ao mais alto nível, e tendo em conta que saímos há pouco de um intenso processo eleitoral e que está previsto haver novo debate sobre o regionalismo, não resisti a citar Alexandre Herculano:

"(...) Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade.

(...) A centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe e como a sofremos, (...) é, desculpai-me a frase, o absolutismo liberal. A diferença está nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização supunha-se colhê-los um homem chamado rei: hoje colhem-nos seis ou sete homens chamados ministros. Dantes os cortesãos repartiam entre si esses frutos, e diziam ao rei que tudo era dele e para ele: hoje os ministros reservam-nos para si ou distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos; pelo partido que os defende, e dizem depois que tudo é do país, pelo país, e para o país. E não mentem. O país de que falam é o seu país nominal; é a sua clientela, o seu funcionalismo; é o próprio governo; é a tradução moderna da frase de Luís XIV - l'état c'est moi, menos a sinceridade.

(...) Depois, quando alguém, que acidentalmente se ache no meio de vós, sem casa, sem bens, sem família, sem indústria destinada a aumentar com vantagem própria a riqueza comum, e só porque o seu talher na mesa do tributo ficou posto para esse lado, se mostrar demasiado solícito em nobilitar o vosso voto pela escolha de algum célebre estadista, em que talvez nunca ouvistes falar, ou em livrar-vos de elegerdes algum mau cidadão, cujas malfeitorias escutais da sua boca pela primeira vez, voltai-lhe as costas. Padre, militar, magistrado, funcionário civil, seja quem for, esse homem que tanto se agita, aflito pela vossa honra eleitoral, pelos vossos acertos ou desacertos políticos, pode ser um partidário ardente e desinteressado; mas é mais provável que seja um hipócrita, um miserável, que já tenha na algibeira o preço do vosso ludíbrio, ou que, por serviços abjectos, espere obter, ou dos que são governo, ou dos que querem fazer o imenso sacrifício de o serem, a realização de ambições que a consciência lhe não legitima, e acerca das quais só podeis saber uma coisa: é que as haveis de pagar."

Alexandre Herculano, "Carta aos Eleitores do Círculo de Sintra".

Fotografia de Luís Filipe Maçarico

sábado, novembro 07, 2009

Estado de Alma














A luz deste sábado, recordou-me que Mértola continua a ser um dos sítios mais bonitos do Mundo. Poema de cal e sol...
Com alguns colegas do Mestrado ( Marco, Hugo, Ana Azevedo e Ana Penedo) almocei, como é habitual, no Tamuge, e depois, rua acima, ruelas dentro, abraçámos o sol, claridades e sombras pelo caminho.
Há lugares assim, onde sonhamos aventuras e onde encontramos...o júbilo e o vazio, consoante o estado de alma em cada momento.
Hoje, a melancolia visitou-me, quando subi ao terraço da casa amarela e lembrei sílabas e sítios que foram de Primavera e esperança.
O tempo trouxe o vento, a folha que se soltou da árvore e vagueia, o silêncio de veredas que espreitam o rio.
Há uma memória que paira ainda e vai custar a passar. Também o Inverno...
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

sexta-feira, novembro 06, 2009

Ofereço-te Lisboa...




Ofereço-te esta cidade mágica, com colinas cativantes, uma luz envolvente, becos, pátios, ruelas, recantos íntimos para mergulhar no olhar de quem se ama, sítios de lua e claridades, de estrelas e alvoradas carinhosas.
Espero um dia voltar a ver-te. Talvez num miradouro ou no verso mais secreto, que só tu e eu sabemos. Ou no corpo, enquanto o mar se espraia em maré cheia. No beijo, na carícia, na sede que saciámos nunca saciando...
Espero-te, porque sei que ninguém vai substituir o meu abraço. E tenho uma cidade bela nas minhas mãos para saboreares.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

quinta-feira, novembro 05, 2009

CAIS DO GÁS






O sítio onde trabalho, desde finais de Novembro de 1995, tem o Tejo como cenário.
Muitas vezes saí com a Vanda, até ao pé das ondas, para partilhar o prazer de um sol de mel ou a alegria de uma boa notícia, pedindo conselhos, rindo a bom rir, ou embalando melancolias, que mergulhavam no nevoeiro de certas manhãs.
Há objectos silenciosos, onde traineiras e batéis diversos ficaram atracados.
Versos e asas deixam, algumas vezes no céu azul, um grito branco.
Espero por outros dias, com novas cumplicidades, amiga.
Sei que me lês, que te emocionas, que o sonho continua a dar-te força.
Muitas vezes mais havemos de sair, após um dia de trabalho, com aquele odor de maresia nas narinas. E a ternura nas pegadas.
Ali, no Cais do Gás,ao Cais do Sodré...
Bem vivos, desforrados das emboscadas da vida. A rir muito!
Adoro-te, Amiga!
Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)