"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, agosto 16, 2005

Olá, Artur Bual!


Desde aquela tarde de domingo, em que o entrevistei na Rádio Horizonte da Amadora, que fiquei seu amigo. Estávamos então no Outono de 1987. Eu olhava para o seu rosto carregado, e de repente, o gelo quebrou-se e o Artur Bual disse a frase mágica "está um pôr-do-sol com um dourado que parece saído de um tela de Leonardo"...
As visitas ao atelier, a participação em exposições, a partilha de versos e telas, de textos e silêncios, começou nesse dia, numa profícua colaboração. Bual foi sempre ao lançamento dos meus livros. Mesmo quando nesse distante Verão de 1992, o "Mais Perto da Terra" foi oferecido ao povo de Alpedrinha. O Grande Artur esteve lá, apesar do calor e da sua dificuldade de respirar. Quis lá estar, foi assim sempre.
Julgo ter retribuído com a mesma dedicação: recordo que me meti num comboio para Leiria, numa noite tenebrosa de chuva, vento, lama, em Novembro. Com uma gripe, mas com a vontade de estar na Escola Superior de Educação, a vê-lo pintar com os jovens, a acompanhá-lo nesse momento tão importante para ele, em que a sua arte se derramava na pele do quadro e era como se renascesse dos cansaços e das traições a que todos os criadores estão sujeitos.
O coração falhou no início de Janeiro de 1999. Foi o tabaco, a respiração, o desregulado ritmo cardíaco, os falsos amigos que o adulavam e lhe sacavam energia, sangue, pintura...
Para trás ficava uma existência repleta de inquietude, a inquietude dos criadores que se sentem sós, não obstante estarem rodeados por vezes, de uma enorme corte. Mas acima de tudo, uma vida vivida à escala que ele desejou.
Recordo-me de ele ter esperado por um secretário de estado da cultura, durante a inauguração de trabalhos seus, numa galeria de Oeiras. Como Sua Excelência não aparecia, decidiu ir jantar. Durante a refeição, solícito, um responsável da galeria tentou demovê-lo, para ir ao beija-mão do governante atrasado, que finalmente chegara. "Agora é a minha hora sagrada de jantar. Ele que viesse mais cedo!" respondeu Bual, tornando à galeria depois de ter saboreado o alimento.
Na viragem do século um grupo de amigos decidiu perpetuar o seu nome, a sua obra. Por isso existe o Círculo Artístico e Cultural Artur Bual, dirigido por José Ruy. E neste dia 16 de Agosto, em que se fosse vivo, completaria 79 anos de vida, não posso deixar de lhe dizer: "Olá, Artur Bual!"
(fotografia de LFM)
Posted by Picasa

2 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

belíssima homenagem. bjo.

Conceição Paulino disse...

belo registo de memória afectiva,